Terminou hoje a série de debates entre os líderes dos principais partidos. Felizmente: os debates muito pouco interessantes, com pouca substância e muio tacticismo. O debate mais esperado e que gerou maior atenção mediático foi naturalmente o da noite passada opôs Sócrates a Ferreira Leite. Quem venceu?
Começo por dizer que nenhum dos dois foi brilhante. Preferiram jogar à defesa, com um discurso destrutivo, isto é, um discurso centrado nas críticas ao que o adversário propõe do que na apologia das medidas que submetem ao juízo do elitorado nestas eleições.
Se atendermos a um critério meramente formal (a telegenia, dotes oratórios, fluência), Sócrates venceu claramente, conforme sugere a maioria dos comentadores. Mas qual é a novidade, qual é o espanto? Sócrates domina melhor a "política -espectáculo", é um verdadeiro especialista em marketing político, tinha o discurso preparado e memorizado ponto por ponto, vírgula por vírgula (reparem que ele nunca responde directamente, começa sempre com um longa introdução que muitas vezes passa ao lado da interpelação da jornalista), enquanto Ferreia Leite tem reconhecidas deficiências e fragilidades nesse particular. Antes do debate, todos sabíamos que Sócrates iria estar mais à vontade do que Ferreira Leite. Donde, a análise do vencedor deste debate não pode ser tão linear: temos de perceber o que nele esteve verdadeiramente em confronto.
Ora, o debate Sócrates-Ferreira Leite não foi em primeira linha uma discussão de ideias, projectos para o país. Foi sobretudo um confronto de perfis, de estilos. E aí acredito que Ferreira Leite possa ter beneficiado mais do que Sócrates. Porquê?
Porque em tempos de crise as pessoas preferem votar em líderes que lhes transmitam confiança. E Ferreira Leite, com o seu estilo genuino, parece ter mais convicção e segurança do que Sócrates. Tudo o que Sócrates diz soa a falsidade, pois o seu tom é demasiado artificial. É tudo demasiado pensado, calculado. Tem um ar de falso sonso que não pega.
Pergunto: que confiança pode dar um primeiro-ministro que, estando o seu trabalho em apreciação nestas eleições, passa grande prate do debate a criticar medidas do governo Barroso, que durou dois anos e meio e já foi castigado pelos eleitores, do que a elogiar a obra que realizou nos últimos quatro anos? E que tipo de confiança pode dar um primeiro-Ministro que assina um atestado de incompetência em directo aos seus ministros, dizendo que,caso ganhe, será um Governo completamente novo? Note-se que esta afirmação de Sócrates tem implícita a ideia (perigosa) que este tem da política: ele, primeiro-ministro, é óptimo, excelente, infinitamente virtuoso - o problema são os seus ministros, o resto do Governo que não são tão iluminados como o Grande Líder. Logo, o "coitadinho" Sócrates merece uma nova oportunidade - os ignóbeis e obscurantistas ministros serão varridos de imediato (e estou a fazer interpretação restritiva, pois, no limite, a afirmação de Sócrates pode ser interpretada no sentido de querer varrer com todas as "forças ocultas", incluindo directores de jornais e outros). Esta é uma visão bonapartista da poítica que revela que o feitio autoritário e centralizador socrático não é um mito - é real.
Em suma, creio que, se analisarmos o debate na óptica do "efeito útil", ou seja, dos dividendos políticos obtidos por cada qual, Ferreira Leite poderá ter ganho - sinto que os portugueses querem um perfil mais rigoroso, mais verdadeiro e menos folclórico. Os socialistas não aprenderam nada com as últimas europeias...