A mudança de paradigma no empreendedorismo português - do patrão quase analfabeto às spin-offs de tecnologia de ponta.
Na edição deste ano da Revista Forbes, Américo Amorim volta a ser o primeiro Português a aparecer na lista dos mais ricos. Posicionado mundialmente no lugar 242, a sua fortuna é estimada em 4400 milhões de dólares. Numa altura em que é desesperante a situação de elevado desemprego entre jovens portugueses licenciados e qualificados, torna-se interessante perceber por que é que, apesar de nunca ter estudado para além do ensino básico, Américo Amorim, não só, nunca teve problemas em ter emprego, como emprega há décadas centenas de doutores e engenheiros. “Não sou rico, sou trabalhador”, é como se define o homem que transformou uma pequena fábrica de cortiça implementada pelo seu avô, no maior produtor mundial de cortiça, a Corticeira Amorim. Hoje também com negócios na área da energia, imobiliário, banca e turismo, e com o seu mérito reconhecido pela atribuição de um doutoramento honoris causa pela Universidade de St. John’s Nova York, o “Sr. Américo” não precisou de fazer um MBA (Master of Business and Administration) para fazer da sorte apenas a junção da preparação com a oportunidade, e estabelecer relações comerciais com todo o mundo globalizado. Américo Amorim não é o único empresário português de sucesso sem estudos universitários. Rui Nabeiro, fundador do Grupo Delta não estudou para além da quarta classe. São apenas dois exemplos que espelham o tecido empreendedor português.
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2008, mostram que 81% dos patrões portugueses possuem habilitações inferiores ao ensino secundário, 10% detêm o ensino secundário e apenas 9% estudaram na Universidade. O padrão português não coincide, contudo, com a média dos 27 na União Europeia, em que 27% dos patrões têm estudos superiores, 45% concluíram o secundário e apenas 28% têm habilitações inferiores ao secundário.
O homem classificado pela revista Forbes como o homem mais rico do mundo, pela terceira vez consecutiva, o mexicano Carlos Slim Helu, concluiu a Licenciatura na Universidade Autónoma do México. Os mais ricos dos Estados Unidos passaram por Harvard, Stanford, Columbia, Penn, Chicago, MIT, entre outras universidades de peso...Torna-se pertinente a questão: faz diferença ou não estudar para ser um líder de sucesso? A mim, parece-me óbvio que uma empresa com uma base de conhecimento sólido, forte em técnica e com uma estratégia inovadora tem condições muito mais competitivas para ser mais organizada, produtiva e eficiente. Muitas das empresas de sucesso em Portugal começaram com pequenos negócios familiares, são baseadas na transformação e na mão de obra (tendo muitas vezes que importar toda a matéria prima necessária ao fabrico dos produtos) e limitam-se a reproduzir algum produto ou serviço que viram no estrangeiro. O que está errado em Portugal para a maioria dos líderes serem “self made men” e não terem precisado das universidades para vencer? Por que é que as Universidades portuguesas não fabricam líderes? Será o problema cultural dos brandos costumes ou a teoria que não se fazem líderes, mas nasce-se líder? Ou será que as universidades, na verdade, não estão a ensinar nada que interesse para o mundo real? Hoje fala-se muito mais em ensinar os alunos a ser empreendedores, mas como?
- Os cursos em Portugal não ensinam a FAZER, há mais teoria que prática, após três anos no ensino superior, a maioria dos alunos acha que ainda não aprendeu a fazer/concretizar nada em concreto. No mundo real não basta aprender como se faz. O aluno tem de saber fazer e fazê-lo. Uma solução para este aspecto seria integrar durante o curso, estágios de curta duração em empresas da área de estudo, em que os alunos teriam de resolver problemas da empresa, fazendo um estudo de análise, pesquisa e teste. A maior proximidade e coordenação das empresas com as universidades é crucial. Compensa investir nesta sinergia pois ambas as partes lucram: a empresa conseguiria inovar e resolver alguns dos seus problemas e os alunos aprendiam com a experiência, que poderia abrir portas para um futuro emprego ou, por exemplo, a empresa poderia pagar parte ou a totalidade do valor da propina ao aluno.
- As licenciaturas e mestrados em gestão, economia e engenharia deviam incluir obrigatoriamente uma disciplina de empreendedorismo, em que os alunos teriam de simular todas as etapas da criação de uma empresa e no final fazer um teste de viabilidade. No caso da ideia ser viável, a Universidade devia providenciar as ferramentas e instalações necessárias ao início da empresa.
- Sendo a inovação a essência do desenvolvimento tecnológico, é crucial saber proteger a invenção. Patentear ainda não é muito popular em Portugal e a grande maioria dos alunos universitários não são ensinados a preencher uma patente ou por onde começar no processo de protecção da propriedade intelectual. É fundamental a inclusão desta matéria nos programas obrigatórios.
- A intervenção na produção de novas ideias deve começar cedo e ser incentivada. Não existe melhor forma de aprender, senão fazendo. Um artigo publicado na edição de Fevereiro da revista The Scientist enfatiza que a incorporação do trabalho científico e experimental no currículo obrigatório dos alunos que estão a começar a universidade, não só melhora a sua aprendizagem, como aumenta o número de alunos interessados em seguir uma carreira com uma forte componente tecnológica e científica.
- O compromisso deve ser privilegiado, há muitas ideias boas que acabam por morrer por ninguém querer tomar conta delas. O financiamento de spin-offs deveria implicar um compromisso dos responsáveis em permanecer na empresa por um determinado período de tempo e ao cumprimento de objectivos concretos, de forma a evitar o abandono do projecto após término do financiamento inicial ou a má gestão dos recursos.
Apesar de ainda não estarmos ao nível de países como a Suíça, Alemanha ou Estados Unidos que apostam fortemente na inovação, verifica-se uma evolução muito favorável. A “crise” e a falta de emprego imediato dos jovens qualificados tem levado a que aqueles que conseguem financiamento permaneçam nas universidades e desenvolvam tecnologias, que muitas vezes levam a criação de novas empresas, criando assim os seus próprios empregos. Em geral, a criação de spin-offs nunca foi tão incentivada como agora, com a abertura de parques tecnológicos e incubadoras de empresas, bem como a crescente organização de competições para obtenção de financiamento inicial. Existem ainda alguns (bons) exemplos em que a investigação é a base da empresa, como é o caso da Bial. A farmacêutica desenvolveu o primeiro medicamento 100% português a ser exportado para a Europa e Estados Unidos. A Bial financia investigação através da sua fundação e abriu recentemente uma nova unidade de investigação e produção de vacinas antialérgicas e meios de diagnostico.
Investir na inovação custa tempo e dinheiro, mas leva à criação de produtos únicos e de alto valor acrescentado, sendo essencial uma mão de obra altamente especializada. Em Portugal, é preciso arriscar mais e ser-se mais agressivo, haver mais ousadia e coragem para acreditar numa ideia , optimismo e perseverança para a transformar em realidade. Deixámos de ser um país de mão de obra barata onde outros países localizavam a sua produção. O nosso alvo terá agora que ser saber fazer o que mais ninguém sabe, produzir e exportar. Apesar de não sermos um país rico em recursos naturais, somos um povo inovador e criativo, começámos a globalização, fomos primeiro “por mares nunca dantes navegados”. Está mais que na hora de aproveitar todo o potencial dos jovens portugueses.