(Traduzido daqui)
por Patrick Porter
Política externa trata de valores? de fazer aquilo que é bom? Devemos simplesmente pôr de lado as nossas cautelas e apoiar a revolução democrática do Egito? Andrew Rawnsley pensa assim. E ele despreza os "realistas" nesta questão.
Esta não é a primeira vez esta semana que idealistas liberais expressam satisfação pelos acontecimentos no Norte de África, de modo a procurar a validação de que, mesmo depois dos ‘triunfos’ da sua política externa no Iraque ou com a expansão da NATO - directamente atribuíveis às suas ideias - eles realmente é que têm razão .
Mas eu não tenho a certeza de que política externa é a arte de se ser bom. Trata-se sim de ser prudente. Se política externa é simplesmente celebrar a nossa própria moralidade, espalhando-a pelo mundo fora, qualquer um poderia fazê-lo.
Historicamente, e agora, impõe-se um equilíbrio entre as nossas crenças e os nossos interesses. Eles muitas vezes divergem. Chama-se dilema: a tensão entre dois princípios divergentes. É de tirar o fôlego que esta distinção ainda não seja conhecida.
Mais concretamente: se a solidariedade com os movimentos democráticos for o nosso objectivo primordial, teríamos logicamente de apoiar a independência de Taiwan e do Tibete, abraçando o movimento democrático chinês e, automaticamente, destruindo a nossa relação com Pequim.
Se o princípio da democracia é o nosso lema, como justificar então a nossa aliança com o Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, o qual absorveu a maior parte das vítimas da Wehrmacht?
O nosso petróleo barato e seguro (que presumivelmente Andrew Rawnsley usa no seu carro) vem como resultado de relações estreitas com alguns regimes no Golfo, decididamente pouco éticos.
Andrew Rawnsley diz:
Estou a ser generoso ao dizer que Barack Obama, David Cameron, Nicolas Sarkozy, e o resto dos soi-disant "líderes do mundo livre" têm muitas vezes dificuldades para articular uma resposta coerente com princípios e as revoltas populares que se espalharam a partir de Tunis para o Cairo.
Têm e por boas razões: Abertamente abraçar uma oposição democrática noutro estado pode ter consequências muito más. Em primeiro lugar, como vimos no Irão, décadas de apoio aberto e claro aos dissidentes iranianos tem sido politicamente tóxico para aquelas pessoas valentes, pois fere-os com a acusação de que eles são uma quinta-coluna Americana. Um dos motivos pelos quais os dissidentes no Egipto conseguem legitimidade é o facto de não serem conotados como os "nossos rapazes".
Em segundo lugar, temos grandes interesses na região que seria moralmente irresponsável ignorar, como a continuação do acordo entre o Egipto e Israel, o chokepoint Suez, e um medo da anarquia muitas vezes na esteira de novas democracias. Não é frívolo parar para pensar, neste momento histórico.
Em terceiro lugar, o governo de Barack Obama nos bastidores tem actuado muito responsavelmente, usando a influência que tem para conter qualquer violenta retaliação ou represália, e tentar incentivar as reformas.
... o MNE britânico deve ter uma opinião sobre se o governo democrático é sempre preferível à ditadura.
... e depois de pensar sobre como e que dizer, o que serão as consequências e se podemos aplicar este princípio de forma consistente. Chama-se ‘sentido de estado’ e está muito longe dos debates das salas de aula no Liceu. É suposto o MNE pronunciar-se também sobre a necessidade de democracia e direitos humanos na China, e os nossos interesses que vão para as urtigas?
O presidente Bush II há alguns anos atrás, insistiu em eleições livres e numa democracia na Palestina e presenteou-nos com um governo violento e anti-semita – o Hamas. A Austrália insistiu num referendo sobre a independência de Timor Leste, o que resultou em 1400 mortos, centenas de milhares de deslocados, a destruição das infra-estruturas do país, e uma orgia de violência na televisão e mutilações pelas milícias.
Foi só quando Hosni Mubarak começou a recuar que os líderes ocidentais começaram a sugerir que deveria haver uma transição para a democracia.
Demonstrando que o movimento democrático Egípcio é muito eficaz sem o nosso apoio retórico. Porque é que tudo tem a ver connosco?
Esta escola "realista" da política externa sempre foi um pouco absurda com a sua alegação de que as ditaduras oferecem estabilidade, um argumento especialmente difícil de sustentar numa região tão dilacerada por conflitos como é o Oriente Médio.
Na verdade, os realistas mais astutos estão bem cientes dos problemas que os ditadores podem trazer, mas também conseguem discernir que as alternativas podem ser o caos. Incrivel sobretudo depois do Iraque: alguns idealistas liberais precisam de ser relembrados de que a alternativa à ditadura pode ser uma anarquia muito mais brutal. Eu prefiro viver na Arábia Saudita do que na Somália. O melhor realismo no entanto, vê o contexto e defende uma nova grande estratégia que nos livre da região no longo prazo, justamente para que não estejamos implicados nessas crises e forçados a fazer escolhas difíceis sobre elas.
Concedendo isso aos "realistas", devemos então fazer-lhes uma pergunta: Estão eles a dizer que os Árabes não são permitidos aspirar à democracia, temendo que a revolução possa resvalar (como se fosse o mesmo país, mesma cultura e tempo) do mesmo modo que o Irão em 1979?
Não, nós (ou pelo menos eu) não dizemos isso. A democracia liberal é uma grande coisa. Estamos apenas cépticos sobre a nossa capacidade de projectar noutras sociedades a nossa via, nos nossos prazos. Levar liberdade ao Egipto cabe aos egípcios. Se houver a possibilidade de uma primavera árabe, o mais sensato é não intervirmos.
Qualquer pessoa com algum sentido de história sabe que o caminho para a democracia liberal pode ser instável e sangrento. A Grã-Bretanha levou séculos para progredir desde os reis tirano como Henry VIII, até ao governo parlamentar representativo. Os americanos mataram-se uns aos outros numa guerra civil que causou mais mortos entre eles do que qualquer outro conflito. O Reino Unido e os EUA ainda têm que alcançar um estado de perfeição democrática. Mas também sabemos algo sobre a democracia, algo que foi bem expresso por Winston Churchill: é a pior forma de governo - com excepção de todos os outros.
De facto a Grã-Bretanha e os Estados Unidos tiveram as suas guerras civis, o que acabou por produzir um governo constitucional. No entanto, de acordo com a mundivisão de Rawnsley a comunidade internacional não deve pactuar com atrozes guerras civis, mas sim intervir com a sua benevolência muscular e salvar os inocentes. Nesta perspectiva, à América teria sido negada a sua União, e à Grã-Bretanha o seu sistema parlamentar de governo; se os estados não devem ser autorizados a ter as suas guerras civis então devem ser abortadas as evoluções políticas que daí resultam.
Democracia é o melhor regime na construção de sociedades estáveis, prósperas, duradouras e tolerantes a longo prazo. Nunca houve um conflito armado entre duas democracias verdadeiramente estabelecidas.
Sim, houve. Na Guerra Civil dos EUA mencionada antes, entre a União democrática e a Confederação. No nosso tempo, Israel democrático travou uma guerra em Gaza, contra o Hamas democraticamente eleito. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha e seus aliados declararam guerra à Finlândia democrática devido à sua invasão do nosso aliado autocrático União Soviética. Na Antiguidade, Atenas democrática não hesitou em combater outras democracias durante a guerra do Peloponeso. E ainda há a guerra Anglo-Boer.
Assim, "nunca" parece-se muito mais com "algo frequentemente". Os EUA e a Grã-Bretanha democráticos no século postbellum XIX chegaram muito perto, e ter um tipo de regime semelhante não os impediu de fazer planos de guerra um contra o outro.
É tempo de os líderes do "mundo livre" desatarem o nó na sua garganta e afirmarem-no com clareza cristalina.
Como alternativa, talvez seja tempo de os espectadores idealistas abandonarem o seu conceito amador de diplomacia, as suas teorias a-históricas de "paz democrática", e seu moralismo adolescente, e reconhecer que por vezes é mais sensato ficar calado.