É oficial: Berlim só salva o Euro depois de mandar nas contas dos Estados.
Ou porque é que acham que a Alemanha só salvava os países mesmo na última e foi deixando agudizar a crise até ao ponto máximo?
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É oficial: Berlim só salva o Euro depois de mandar nas contas dos Estados.
Ou porque é que acham que a Alemanha só salvava os países mesmo na última e foi deixando agudizar a crise até ao ponto máximo?
Muito se tem dito sobre a obrigação moral da Alemanha pagar a crise, e respectivos bailouts, sem protestar. Recentemente, decidiu juntar-se mais um argumento: a Alemanha benificiou com o Euro, foram os juros baixos que pagaram a reunificação, esses mesmos juros que colocaram os paises periféricos na falência, logo eles devem pagar a crise. In a nutshell, a culpa dos nossos males é deles, e da reunificação deles.
A minha primeira reacção, instintiva, quando leio este tipo de argumentos oscila entre clamar "barbaridade" e mandar as pessoas que professam tais barbaridades ler um livro ou dois de história. A segunda reacção é a que se segue: se as pessoas não vão aos livros de História, e se ficam por demagogia germanofóbica, venho eu trazer o livro às pessoas.
Antes de mais, temos de enderessar duas questões. A primeira é da que, todos lucraram com o Euro. Sem excepção. Se se pode dizer que o Euro potenciou exportações alemãs para o resto da Europa, também é verdade que o resto da Europa, em especial o Club Med (Portugal, Espanha, Grécia, neste caso) ganharam um enorme almoço gratis. Com o Euro deixaram de se financiar a 15 por ano ano, para se financiarem a uma confortavel taxa "germanica" de 3 a 4 por cento. E isto apenas foi possível porque, quando o euro foi criado, todos os financiadores julgaram que haveria uma garantia implicita alemã. Se estes meninos não pagassem a conta, a Mãe Germanica pagaria. Isto para dizer que o argumento, "eles têm de salvar o Euro porque foram os mais benificiados com ele" está gasto e errado. Eles já exportavam. Quem ganhou um Boom (que foi gerido de forma desastrosa por estes países) foi o Club Med.
A segunda questão a enderessar é a de que a Alemanha é, sempre foi, e continuará a ser no horizonte previsivel, o maior contribuinte liquido para a UE. Já aqui escrevi sobre isso: nos últimos 60 anos, fruto da "divída moral" por causa de Segunda Guerra Mundial, os Alemães não só pagaram a União como raramente protestaram (ao contrário dos segundos contribuintes liquidos, o Reino Unido, que tanto protestou que ganhou o "Cheque Inglês", durante o tempo da Senhora Tatcher, ou a França que é o maior recepiente liquido da Politica Agricola Comum).
Agora o argumento que considero profundamente errado (retirado da caixa de comentários do Psico):
saiu-lhes do pêlo? claro que sim. às custas da manutenção artificial de uma taxa de juro baixa que foi a desgraça para os pigs como se viu. para beneficiar um sofreram outros com o seu mau comportamento.
(...)
Mas lembro-me que a Alemanha queria impor, e bem, instituições sólidas europeias mas as suas estavam a falhar e teve que sobreviver financiando o leste com dívida pública a taxas mais baixas neste momento em que já não captava investimento.
(...)
Ora mesmo em cima do acontecimento a Alemanha através da célebre ditadura do marco, manteve taxas altas que de facto atraiam capital muito necessário para a dura reunificação.
Vamos lá aqui esclarecer uma coisa: a reunificação alemã custou, liquido, 1.3 mil milhões de euros ao Estado Alemão. Não estou a falar de "capital", ou "investimento", ou de "taxas de juro". Estou a falar aos cofres do Estado Alemão, ao contribuinte alemão, seja sob a forma de impostos, contribuições para a segurança social ou dívida pública. Estamos a falar de 40 por cento da sua economia, num esforço que durou de 1990 a 2005.
Inicialmente o plano era financiar tudo com Dívida Pública Alemã, mas em 1992 o Bundensbank (o Banco Central Alemão, e o mais ortodoxo e duro do mundo desenvolvido) começou a protestar. É preciso ter em conta o contexto: Weimar deixou uma Memória Institucional muito dura nas autoridades monetárias alemãs. Eles são "inflacionófobicos". O Bundensbank fez duas exigências, que o Governo Federal seguiu: financiar a reunificação com impostos, e que ia aumentar as taxas de juro para conter a inflação. Apenas metade do valor exigido pela renificação veio pela emissão de dívida pública. O remanescente veio de uma politica orçamental extremamente austera: aumentos de impostos, redução da idade da reforma, aumento das contribuições, redução da despesa. O povo alemão mordeu a bala fiscal para se reunificar.
O papel do Marco Alemão não é o que se pinta. O Marco Alemão não era forma de financiamento. O Marco Alemão era a moeda mais estavel e menos inflacionária da OCDE. Facto do qual não só o Bundensbank se orgulhava, como se recusava a abdicar um milimetro que fosse. Quando foi criado, em 1979, o European Rate Mechanism (ERM), ele foi criado com um objectivo: preparar uma potêncial moeda única, reduzir a inflação e aumentar a estabilidade de alguns países (estamos em pleno choque petrolifero). O ERM foi na pratica ligar as moedas ao Marco, não para financiar a reunificação (estão a reparar nas datas?), mas sim porque o Marco era a moeda mais estavel e com a taxa de inflação mais baixa.
A Alemanha não sobe as taxas de juro para atrair Capital (eles são ricos em Capital e tinha divisas e já na altura um excedente da Balança Comercial), mas sim para colocar um travão à inflação fruto da reunificação. (O Reino Unido sofre, no processo, porque em vez de reavaliar a moeda, no ERM, decide insistir na paridade, em 1992, até que quebrou sob o ataque de Soros. Um erro comum do Reino Unido: moedas fortes de mais.)
Não só isso, como, o Marco é sacrificado para garantir a reunificação. Para os mais desmemoreados, França e o Reino Únido são contra a reunificação. É segredo aberto que Miterrand tenta bloquear, e pede a Gorbatchev que a vete. Kohl só garante o apoio quando se compremete a uma União Monetária, sacrificando o DM.
Argumentar que foi depois o Euro, e a política de baixos juros do BCE, que ajudou a Alemanha é não ter em atenção o ciclo de taxas de juro. As taxas, há entrada do Euro, eram de 2%. E de 1999 a 2001 elas estão a subir. É apenas em 2001 que elas descem. Não para ajudar a Alemanha mas sim porque dois aviões bateram em duas torres e o mundo entrou em panico, aka, o 11 de Setembro. Depois, de 2003 a 2008, o BCE está, constantemente a subir taxas, de 1% para 3.25%. Se isto é uma política de descer os juros para ajudar a Alemanha, peço desculpa a expressão, mas eu "vou ali e já venho".
O problema do Euro foi que não se contava com um pequeno pormenor: que os países do Sul actuassem como crianças. Quem se lembra do na altura governador do Banco de Portugal - Vitor Constancio - a dizer que "a dívida não era problema, Portugal era agora comparavel à Florida, endividem-se à vontade" (citação livre)? Aqui reside a responsabilidade, não na mitica (e não existente) política de juros baixos para financiar a reunificação alemã.
E aqui reside o problema intelectual dos alemães. Para eles o problema não é pagar ou ajudar. A última sondagem do Der Spiegel mostra mesmo isso. O problema deles, que lhes causa alguma perplexidade, é por um lado estarem a ver que estão a atirar dinheiro para um buraco negro, e em segundo lugar verem que os povos do Sul não estão dispostos a sacrificios para sairem da crise, e preferem culpar a Alemanha. Um povo que passou 15 anos a comer balas de impostos, moderação salarial, trabalhar mais, menos segurança social e de recessões sucessivas para se reunificar não entende esta postura.
Eu confesso que também não entendo, e partilho do pensamento Alemão.
Não é legitimo, politica ou financeiramente, continuar a lançar argumentos como este e outros (apelando à memória da Segunda Guerra Mundial) para forçar os Alemães a pagar. Não há discussão produtiva, ou negociação, que vá a bom porto assim.
Fernando Martins do Cachimbo de Magritte, causou polémica com o seu recente post ‘germanófobo’. Martins merece ser louvado pela sua coragem em romper com o politicamente correcto e descrever a dura realidade deste novo século que anuncia mais uma vez uma ascensão teutónica que tem cada vez mais vindo a dominar a Europa.
Dito isto, Miguel Morgado tem razão ao apontar a lacuna da falta de explicação para este ressurgimento Alemão.
A Alemanha tem desde há vários séculos vindo a emergir como uma potência europeia. Foi uma corrida para o topo que começou há um milénio atrás com o Sacro-Império Romano-Germânico. As fracturas políticas no entanto impediriam a união política até ao século XIX. A Reforma conseguiu reavivar o nacionalismo alemão e o Império Austríaco foi o primeiro a abrir o espaço geopolítico na Europa central para uma potência continental. Mas a Áustria viria derradeiramente a perder a competição com a Prússia para a conquista do estatuto de ‘estado sucessor’ do Sacro-Império.
Este progresso não teria sido interrompido não fora pela intervenção extra Europeia nos assuntos geopolíticos do velho continente que a América de Woodrow Wilson inaugurou. A participação dos EUA nas duas guerras mundiais foi o principal factor da queda da Alemanha enquanto super-potência regional e tal como a América decide hoje virar-se para a Ásia, também os seus esforços de adulterar artificialmente o panorama geopolítico europeu a seu favor, se começam a desvanecer.
A Alemanha do pós-guerra encontrava-se em ruínas e ironicamente vítima do mesmo estilo de partição que por sua vez havia imposto à Polónia um século antes. Devido à ameaça do bloco soviético os Aliados concordaram em reunificá-la mas apenas na sua vertente ocidental, criando assim um estado tampão reminiscente da Confederação do Reno napoleónica, desta feita concebida para servir os propósitos dos Aliados e não da França.
A excisão da Alsácia-Lorena, da Prússia, Pomerânia e Silésia à Alemanha, a devastação nas suas infra-estruturas e a endoutrinação pacifista devolveram à Europa o equilíbrio geopolítico continental ao igualar a França e a Alemanha em termos de poder. O ‘tandem’ Paris-Bona era aliás tão estável que deu origem a formas de cooperação sem precedentes como os Tratados de Roma e respectivas reencarnações.
Mas o fim da Guerra Fria trouxe consigo a fria realidade de que a economia Alemã, ao dominar o vale renano, sempre havia sido mais eficiente que a Francesa e o quarto alargamento – ou o alargamento mudo – ao permitir à Alemanha anexar a RDA, alterou definitivamente o equilíbrio de forças na Europa. Lembra bem o Fernando que ‘(…) a então União Soviética e os EUA só aceitaram a unificação da Alemanha depois de uma dura embora rápida negociação’.
Hoje vivemos também o regresso da história: aqueles que pensavam que o fim da URSS significaria o triunfo eterno da democracia liberal começam a perceber que o predomínio global do demo-liberalismo está inexoravelmente dependente da vitória na Segunda Guerra Mundial dos países aonde se deram as revoluções atlânticas – Inglaterra, França, América – o que lhes permitiu moldar o mundo à sua imagem. Ora como pode toda esta estrutura normativa sobreviver quando as novas potências – China, etc – não partilham destes valores?
Duas bolhas rebentaram: a da 'supervisão' Americana sobre a Europa e a do demo-liberalismo ad eternum que com a sua versão pós-moderna da 'paz democrática' traria cooperação ilimitada e desinteressada entre os estados. A História regressou e parece que os estados continuam a ter interesses divergentes.
Aonde eu discordo do Fernando Martins é na análise moralizadora (negativa) que ele faz da primazia Alemã. A primazia Alemã é apenas natural e em matéria de geopolítica a hegemonia nada mais é que legítima quando amoral. Os Alemães não são maléficos por quererem dominar, a questão está em como Portugal se poderá adaptar a este novo panorama europeu, e eu avanço que não é fazendo de Berlim nosso credor que sairemos a ganhar…