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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

Afeições

Gustavo, 01.05.20

As escolhas do secretário-de-estado dos assuntos parlamentares José Duarte Cordeiro para o seu gabinete causaram polémica nos media Portugueses. Além de Daniel Silva Soares (dirigente da juventude Socialista, assessor da vereação da CML, candidato a presidente da junta de freguesia de Carnide) e de André Santos Pereira (presidente da federação académica de Lisboa e - dizia-se - afilhado de batismo do ministro Manuel Heitor), o governante escolheu a companheira do antecessor (e agora ministro) Pedro Nuno Santos para chefiar o seu gabinete. Em 2016, enquanto vice-presidente da CML, escolhera a polémica líder da JS Cristina Begonha para integrar a sua equipa de trabalho. Este enovelamento relacional, não nos devia chocar; Foi mote da presente governação, bem como o fora no município capital. A desregulação dos exercícios nominativos permite não fazer uso de quaisquer critérios além do jargão “confiança política” onde, como na bolsa de Mary Poppins, cabe tudo. Por isso, no portal base, se lhes encontram amigos, familiares, colegas de faculdade, vizinhos e amantes; Dos paços do concelho ao palácio de São Bento verifica-se o aforismo “Portugal é um país pequeno e a aristocracia Lisboeta é ainda mais pequena”.

"Política: A Grande Porca" fora capa do jornal 'A Paródia' concebida por Rafael Bordalo Pinheiro em 1900

A oposição acusa cleptocracia e nepotismo. É inexato: Um país sem recursos de exploração fácil não oferece facilidades de enriquecimento massivo através do Estado e o exemplo recente de Armando Vara afasta tentações prevaricadoras. Por outro lado, um governo radicalmente centrado no Primeiro-Ministro e condicionado pela geringonça - ora formalizada por tratados esdrúxulos, ora subreptícia e oficiosa - não permite a divisão e distribuição de poderes apetecíveis, enquanto as gritantes carências orçamentais impedem a realização de reformas marcantes ou a construção de obras emblemáticas; assim o terá percebeu Pedro Marques antes de ameaçar a demissão do governo. Portanto, ademais a remuneração em vencimento e vaidade, estas e outras designações significarão muito pouco.

A quantidade de jornalistas e opinion-makers que tem defendido tal rol seletivo, provam a minha suposição. Nenhum deles imagina o primeiro ministro perscrutando milhares de currículos buscando pela governante indicada, ou crê o secretário-de-estado indagando copiosamente por uma técnica à altura. Todavia, fazem a defesa acirrada das competências “da Mariana” ou das capacidades “da Catarina” demonstrando uma intimidade inadequada e injustificada de quem quer apreciar, com profissionalismo, o desempenho ministra da presidência e da modernização administrativa ou ao labor da chefe de gabinete do secretário de estado dos assuntos parlamentares. Noutrora, o tratamento pelo primeiro nome era reservado aos “colegas da escola”; Questiono-me se os mencionados terão frequentado a mesma escola.
Câmara de Lisboa. Avenças em gabinetes do PS chegam a aumentar 80 ...

Pedro Nuno frequentou. O ex-secretário de estado tutelar da pasta que contractou Catarina Gamboa, sentiu-se na necessidade de vir a público defender a honra ferida da companheira – É um apologista devoto da emancipação feminina. Pior: a justificação enternecedora da sua afeição matrimonial interessa menos aos Portugueses do que a afeição do dito sucessor no governo (como o fora na JS); falando em prol da secretaria de estado de cuja tutela abdicou no governo anterior, suprimiu, no processo, qualquer respeito institucional à presente orgânica do governo. Mas da narrativa delicodoce que publicou no Facebook – canal comunicativo adequado à maturidade de um membro do governo – extrai-se a ambiência em que esta geração de dirigentes foi profissionalmente moldada. Estudantes de licenciatura, aos 26, na faculdade, batalhando arduamente pelas sub-estruturas da Jota, conta como forjou cumplicidades que se preservaram até aos interstícios do governo atual. Hoje serão, nas palavras do escritor Hugo Gonçalves, “uma versão mais grisalha e engravatada da política das associações académicas - incompetente, provinciana, oportunista, vaidosa, desinteressante, de palmadinha nas costas, impune” onde os grupos amigos se transvertem em grupos de estudo, amalgamam em direcções associativas, encalçam na militância juvenil, “nas férias, no trabalho, na política, ao almoço e ao jantar” “vivendo juntos” nas palavras de Vasco Pulido Valente, “quase na promiscuidade”. Aí, o trabalho político confunde-se à folia e ninguém sabe onde termina a cumplicidade e toma início a relação laboral. Por isso as estruturas se tornam endogâmicas e fechadas, a criatividade é recebida com desconfiança, a renovação é interpretada como ameaçadora, a objeção é tida por ofensiva e a opinião implica rutura. “Bem, ao menos não há tunas nem tipos aos saltos a tocar pandeireta”, completa o romancista.
Jovens turcos do PS em contenção
Desde então, de nomeação em nomeação, os da Jota – rebeldes “jovens turcos” – chegaram aos quarentas escusando-se de assumir as agruras da idade, de enfrentar dores de crescimento: procedimentos concursais, construção curricular, seriações enviesadas, entrevistas de emprego, negociações de linhas de crédito para microempresas e a omnipresente possibilidade de darem por si desempregados – fora a questão salarial. Por isso, apesar dos filhos, mantém o registo, a informalidade, a dialética, as tradições lúdicas e o mesmo círculo de relações, ora pessoais, ora partidárias, ora na câmara municipal, ora no governo. A insistência em tornear a Juventude Socialista (Pedro Nuno foi inédita e injustificadamente orador no último congresso da organização sub-30) é disso sintomático.

O ministro (42 anos) foi orador inédito do congresso da organização sub-30 que é estatutariamente autónoma do Partido Socialista

 


Ao contrário do que garantem muitos comentadores cúmplices, não é a ideologia que os demarca. O Socialismo Democrático a que alardeiam, significaria impedir a reprodução de privilégios de casta ou a propagação de poderes fácticos ao longo de dinastias, permitindo que a participação política de um operário tivesse tanto poder como a participação política de um magnata, que o filho de um jornaleiro pudesse governar. As regalias com que a oligarquia se banqueteia, prerrogativas classistas entregues a estes descendentes da alta burguesia pela tortuosa via do poder político, são necessariamente antinómicas aos ideais do Socialismo. Na atual conjuntura, contudo, ninguém saiba bem onde termina o Partido Socialista e toma início o governo. Para infelicidade dos apologistas de democracias transparentes, os dois governantes são também dirigentes do PS com o encargo de completarem listas parlamentares ou selecionarem candidatos autárquicos. Exceto se todos os 230 nomes forem escrutinados aquando das próximas legislativas, semelhante endogamia marcará o passo de então.

Dir-me-ão que na geração anterior se passou o mesmo – entre Augusto Santos Silva, Ferro Rodrigues, Vieira da Silva (Pai) ou Maria de Lurdes Rodrigues. Porém no seu tempo, a formação superior era rara, os quadros disponíveis eram escassos e a classe média-alta subsistia em circuito fechado, num país isolado e de fronteiras obstruídas. Foi precisamente para contrariar esse registo que todas as medidas de transformação social (a escola pública, o ensino superior tendencialmente gratuito, a ação social escolar, os programas Erasmus e Erasmus+, a inclusão Europeia e mesmo própria democracia) foram tomadas. É o fracasso destas medidas que emana dos despachos emitidos pelo secretário-de-estado dos assuntos parlamentares, que se encontra no Eurobarómetro de 2018 (só 17 % dos Portugueses confiam nos Partidos Políticos) e no Índice de Distância ao Poder (63 % dos eleitores Portugueses sentem-se apartados da decisão política) – uma distância bijetiva, com políticos igualmente apartados dos Portugueses, por nunca terem saído dos bancos do ISEG.

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