Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

‘Going Native’

Miguel Nunes Silva, 28.02.11

 

Esta expressão inglesa é oriunda da antropologia. Ela descreve o modo como os cientistas a fazerem trabalho de campo correm o risco de experimentarem empatia com os povos estudados e sucumbirem à socialização com nativos. É um risco real mas mais um limite à velha máxima científica de ‘observação sem interferência’. Em Portugal Venceslau de Morais é um bom exemplo deste problema e uma das principais razões por detrás da obrigação de rotatividade dos cargos diplomáticos.

 

Hollywood e várias correntes liberais têm-se mostrado muito nostálgicas por povos não ocidentais e pré-modernos. Em películas como ‘A Missão’, ‘Danças com Lobos’, ‘O Último Samurai’, ‘Avatar’ ou ‘Rabbit-Proof Fence’, os povos nativos são mostrados como indivíduos oprimidos e inocentes face à barbárie coercivamente modernizadora dos povos ocidentais. É no fundo o velho símbolo do ‘bom selvagem’.

 

É também graças a esta perspectiva que uma boa parte das nossas sociedades olham para as revoltas pelo mundo fora como algo a celebrar. Representam um pós-modernismo saudosista da era pré-industrialização, uma possibilidade de catarse pelo colonialismo esclavagista ocidental e derradeiramente uma promessa de união fraternal global guiada por valores universais, i.e. liberdade – e unilateralmente para o ocidente – individual e jusnaturalista.

 

Claro que se há algo que une a espécie humana é a sua dualidade ética: em ‘Danças com Lobos’ é o homem branco que chacina os búfalos da América do norte mas mostrar todas as espécies erradicadas pelos ameríndios ou as florestas queimadas pelo Aborígenes já não interessa, muito tem o homem branco a aprender com as culturas rurais e espirituais (vínculo claro mas contraditório entre o abstraccionismo das práticas religiosas animistas e o do New Age anti-vitoriano e anti-patriarcal) mas nunca mostrar os aspectos mais reprováveis do feudalismo japonês retrógrado.

 

Se estes filmes ajudam à melhor compreensão de acontecimentos e sociedades que escapam à narrativa superficial dos nossos dias, eles também possuem um lado detrimental. Afinal não é como se a História possa ser alterada e apreender os acontecimentos actuais como uma oportunidade de redenção nada mais é que ingenuidade. É de espantar o quanto o discurso anti-ocidental do chamado ‘sul’ tem eco nas sociedades europeias. Mas é contra-producente aceitar culpa por eventos históricos fruto de gerações anteriores ou iludirmo-nos com a tola esperança de que só nós fomos responsáveis por fenómenos negativos e que a nossa culpabilização levará à coexistência pacífica com estes povos.

 

Quer seja Lula a propósito das mudanças climáticas, Erdogan em relação à Palestina ou Joaquim Chissano falando de colonialismo, é importante aceitarmos que a História continuará. Ela continuará apesar da preeminência Americana mas também apesar do passado Europeu – dificilmente todo ele negativo.

 

Compreendamos assim que a solidariedade com outros povos não deve ser um bem intrínseco mas sim uma prerrogativa baseada nos méritos e interesses de cada circunstância.