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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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Médio Oriente: Democracia e um castelo de cartas

Guilherme Diaz-Bérrio, 04.02.11

 

 

 

 

Desde as revoltas na Tunisia e no Egipto que andamos a discutir acantonados em dois cantos: os "Pró-Democracia" porque é o melhor e resolve instantaneamente todos os problemas do Médio Oriente como uma panaceia milagrosa e os "Pró-realismo" porque se mantém o status quo, porque os árabes são incapazes de ser democráticos (a "excepção árabe").

 

Honestamente, esta discussão está me a cansar porque, na minha opinião, estão a escapar a ambos os lados alguns pontos.

 

Somos etnocentricos. É normal: qualquer povo acha que a sua cultura é melhor que a do vizinho. É natural, é uma consequência do sentimento de pertença a um grupo. E no nosso etnocentrismo europeu já nos esquecemos do tempo que demorou a tornar a democracia estavel na Europa.

 

A democracia, enquanto regime, existem desde 500 A.C. Agora pensem bem quanto tempo demorou até que os regimes da Europa Ocidental deixassem de oscilar entre Democracias frágeis, Regimes Populistas e Ditaduras? Até aos anos 70 a Peninsula Ibérica e a Europa de Leste não viviam em Democracia. O Muro de Berlim cai em 1989... D.C! Quase 2500 anos para termos uma Europa Democraticamente estável e, mesmo assim, há sempre dúvidas em relação a dois ou três países.

 

A lição é que a democracia não se faz da noite para o dia. Não estou a dizer que outras regiões vão demorar 2500 anos a chegar lá. Fizemos muitos erros de percurso. Estou a constatar um facto que nos esquecemos e tomamos por adquiridos: há requisitos institucionais, culturais e económicas para a implantação duma democracia.

 

Uma classe média forte e maioritária, instituições naturalmente fortes e ancoras (e pró-democráticas) e uma cultura propicia a isso. Na Europa, a cultura Judaico-Cristã é propicia à democracia. Na consolidação da Democracia, um grande factor foi que o Vaticano deixou de fazer contra-corrente à democracia. Uma instituição ancora deu assim um dos amparos necessários. E tivemos de esperar até ao pós-2ª Guerra Mundial para termos classes médias dominantes.

 

Democracia é um regime curioso. É o regime mais suicida que existe, extremamente vulnerável a populismos e manipulações por dentro do sistema se não correctamente ancorado. É frágil.

 

Existem estas condições no mundo árabe? Pode a democracia prosperar, por exemplo no Egipto? Se calhar é melhor não embandeirar já em arco, porque não é liquido que assim o seja. Para mim, é um bom sinal que a revolução seja promovida pelos próprios egípcios. Democracias não se fazem por "decreto" (Bushistas, é favor olhar para o Iraque, sff). Mas, um pouco de calma e sangue frio na "panaceia milagrosa": Um país com 40% de pobreza, fortes instituições religiosas que, naquela religião, não são pró-democráticas. Acreditam na Sharia, não na auto-determinação e comando de um povo e grupos cuja a principal aspiração é o nacionalismo árabe, dão bases muito frágeis. A revolução Iraniana também começou bem: expulsar o Sha, reduzir a Pobreza de um povo face a uma elite. Já vimos como acabou esse filme: substituíram um ditador por um "profeta de Deus".

 

A segunda fonte de etnocentrismo nesta discussão é o facto de, aqui na Europa, e no Ocidente em geral, já não temos o habito de interferir com os nossos vizinhos. Sim, a Real Politik e esferas de influência existem, mas depois de duas Guerras Mundiais aprendemos que há coisas que é melhor não fazer. Ninguém contesta, por exemplo, as fronteiras actuais (não, não estou a referir-me a Olivença ;)). Portugal e Espanha não têm despiques navais sobre a soberania das ilhas desertas (embora tenhamos despiques nos livros de geografia). Não nos passa pela cabeça.

 

E, logo, achamos que no Médio Oriente há-de ser igual. O que não é. O Médio Oriente está mais proximo da Europa entre a Paz de Westefalia e o Congresso de Viena. Há fronteiras, mas nada é escrito em Pedra. Há Direito mas, vale tudo. Todos contra todos a lutar pela Hegemonia. E neste clima, a paz faz-se à base de equilíbrios regionais. É um processo evolutivo: não é amanhã que eles vão acordar e pensar "Bem, não preciso de tentar ser hegemónico no meu cantinho". Vai demorar, vai exigir conversações, progresso gradual, transições e sim, eventualmente Democracia e auto determinação do Povo. Nenhum regime é estável com mais de um quarto do povo a passar fome. Tal como exigiu na Europa. Foram precisas duas Guerras Mundiais fratricidas para a França e a Alemanha se entenderem, por exemplo.

 

O Médio Oriente é um castelo de cartas! O Irão luta, como sempre lutou em toda a sua história, pela Hegemonia da Região, e hoje fa-lo com motivações militares e religiosas. Normalmente a forma de o conter é deter o Iraque. Bem, Bush tratou de lhes dar o Iraque numa bandeja de prata. Siria e Libano são fantoches. Um continuo até ao Mediterrâneo. Do outro lado, Arábia Saudita, os pequenos reinos árabes na Peninsula, e a Jordânia a contrabalançar. Ninguém quer um Irão Hegemónico. Israel é, e sempre o foi historicamente, o ponto contacto e confronto, aquele pedaço de terra chave. O Egipto faz de arbrito e fiel da Balança. E é estratégico: Canal do Suez! A Turquia passa de pró-Ocidental para tentar ser o "Líder dos Arabes", o que implica que quanto mais caótico o Egipto estiver melhor. E nenhum destes senhores têm qualquer problema em interferir, directa e indirectamente, nos assuntos do vizinho. Seja porque meios for: e para alguém a passar fome, a religião é uma arma quase letal.

 

Gostava de ver regimes democráticos naquela região. Gosto de ver os povos a quererem mais. Mas temo que as bases não sejam fortes o suficiente para que os regimes prosperem e não termos regimes pseudo-democráticos. Como a Russia, Venezuela, Balcãs! E, se a Venezuela é chata, imaginem várias "Venezuelas Árabes" com 70 por cento de todas as reservas de Petróleo e Gás Natural e uma das maiores vias portuárias do mundo (em especial, para a Europa), com entrada para o Mediterrâneo, motivada militar e religiosamente. Algum realismo para temperar os ânimos exige-se.

 

Estamos a falar de coisas muito sérias aqui com consequências potencialmente graves. Que o Médio Oriente vai mudar, vai. Agora, para onde, ninguém pode saber, e os riscos são elevados.

 

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