Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

A Ética Católica e o Desequilíbrio Normativo (II)

Miguel Nunes Silva, 09.05.10

Na antiga sociedade chinesa da era clássica, havia um sistema social não muito diferente das castas Indianas. Não era tão estanque e o governo imperial oferecia a possibilidade de ascenção na sociedade através da burocracia estatal (mandarins) mas ainda assim, a origem social era importantíssima para a vida futura e profissional de um chinês. Isto gerava preconceito pois enquanto que todos aqueles que produzissem algo tangível ou tivessem um vínculo à terra eram moralmente rectos, os outros não. Assim os agricultores, artesãos e claro que a nobreza terratenente e os letrados, eram tidos em grande conta mas os nómadas e os especuladores não. Os artistas e os comerciantes estavam no fundo da hierarquia social por não produzirem nada de visível para a sociedade e eram discriminados apesar de os seus serviços serem utilizados e de eles chegarem a possuir vastas fortunas.

 

Na Europa medieval, o sistema feudal consistia em algo de semelhante e a influência deste sistema ainda se sente hoje. A ênfase dos partidos socialistas e comunistas na defesa dos “trabalhadores” por exemplo, é um resquício deste código moral. Um pouco por todo o mundo, os conservadores mais à direita ainda reflectem uma oposição bastante religiosa à vida urbana e ao liberalismo, enaltecendo em oposição as virtudes da vida e valores rurais.

 

O ódio aos economistas e à finança reflecte em grande parte, este preconceito próprio de sociedades rurais. Em Portugal e nos países latinos, a moralidade (católica) e a ideologia governativa do estado providencial (socialista), alimentam esta mentalidade.

 

 

Esta tensão nas sociedades devia-se na antiguidade, à passagem do nomadismo ao sedentarismo e hoje em dia deve-se à globalização. Um pouco por toda a Europa, os políticos foram obrigados a reconhecer as virtudes do comércio e dos mercados livres. No entanto, na Europa, as profundas divisões ideológicas nas sociedades não foram resolvidas, foram simplesmente adiadas, com a construção de sistemas de segurança social alimentados pelo baby boom e protegidos pela indústria bélica norte-americana.

 

 

As crises financeiras do sul da Europa vêm hoje reclamar uma solução para aquilo que foi adiado durante décadas. Nem a população cresce a um ritmo que permita manter os apoios sociais nem os EUA com a multipolarização do mundo, estão dispostos a defender interesses Europeus.

 

Em Portugal, a mentalidade retrógrada ainda mantém no parlamento 60% de partidos socialistas – apesar de no PS haver uma divisão entre liberais e conservadores. Talvez por isto, a obsessão pelas obras públicas não pareça escandalosa aos Portugueses, numa altura em que medidas de austeridade se deveriam impor. Porque as obras públicas são a construção de algo tangível que, ao contrário de medidas de contenção financeira, podem ser vistas e apreciadas fisicamente. Aos Portugueses talvez interesse mais a renovação da infra-estrutura das escolas que a reforma dos currículos.

 

O desequilíbrio normativo em Portugal é particularmente nocivo à sociedade porque numa era de globalização e crescente individualismo, nenhuma instituição nacional está encarregue da responsabilização do indivíduo. Os governos são eleitos para “dar” beneces (neste sentido Sócrates é um bom aluno do Major Valentim) e a moral católica incute o sentido de culpa pelo sucesso individual (orgulho é pecado).

 

 

Somos um povo obcecado por direitos e não deveres. Se a solução não for autónoma, ela será externa. Se não nos responsabilizarmos, os nossos credores responsabilizar-nos-ão.

 

Assim, resta a pessoas como eu, a vaga esperança de algum dia ver um político com coragem suficiente para gritar “Não perguntem o que o país pode fazer por vós mas sim o que podem fazer pelo país”.

 

Tempus fugit Portugal, tempus fugit ...

3 comentários

Comentar post