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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

aritmética fiscal desagradável

Guilherme Diaz-Bérrio, 30.04.10

 

 

 

 

O líder do PSD não exclui a possibilidade dos funcionários públicos passarem a receber o 13º e o 14º mês em certificados de aforro, uma forma de reduzir a despesa e, ao mesmo tempo, financiar o Estado.


(...)


A medida não é, contudo, muito popular no gabinete de Teixeira dos Santos. Ontem, no 'briefing' do Conselho de Ministros, o responsável pelas Finanças avançou que essas formas de pagamento "apenas poderão resolver problemas de financiamento e não de ordem orçamental ou de despesa".

 

Hoje, no Diário Económico

 

Neste caso particular, têm os dois razão. Sim, estão a ler bem: um dos dois é Teixeira dos Santos e estou a dar-lhe razão. Tal como a Passos Coelho.

 

E passo a explicar porquê: A solução de Passos Coelho dá-nos tempo, resolve parcialmente um problema de liquidez, mas não resolve o problema de solvência. E não o resolve porque, apenas está a alterar a forma de pagamento. Em vez de pagar-mos com dinheiro - que hoje precisamos - pagamos com dívida amanhã. Pedimos emprestado aos funcionários públicos um empréstimo, basicamente. Mas, esse dinheiro vai para algum lado. Dívida neste caso. Logo, não resolve o problema orçamental, dá-nos apenas espaço de manobra actual.

 

Um individuo, empresa ou Estado pode meter-se em dois tipos de "apuros" financeiros: problemas de liquidez e problemas de solvência. No primeiro caso basta alterar a composição do balanço mantendo o valor total inalterado, no segundo caso é preciso alterar o tamanho (aumentar activo - receitas, diminuir passivo - despesas).

 

Um problema de liquidez é simples: vocês estão solventes, têm dinheiro, mas cai-vos uma despesa inesperada e, naquele momento, não têm dinheiro para fazer face à mesma, só um tempo depois. Ou, outro exemplo, um cliente não vos paga a horas, um fornecedor quer ser pago, e naquele momento não há dinheiro em caixa para pagar. Nos dois exemplos há solvência. Mas há um problema de liquidez: preciso de dinheiro agora, só o tenho no próximo mês. Neste caso, a solução é alterar a composição do balanço. Por exemplo, se vocês não pagam ao fornecedor enquanto o cliente não vos paga, estão a alterar a composição: estão a "pedir" crédito ao fornecedor. Por exemplo, se vocês pedem ao banco uma facilidade de crédito, estão a alterar a composição: o banco adianta o dinheiro. Em ambos os casos vocês transformam um problema de hoje num problema de amanhã. Ou seja, composição.

 

Se forem solventes - ou seja, são lucrativos, vão ser pagos, etc - não há problema. Problema de liquidez resolvido - com juros obviamente, e para isso é que existem fundos de maneio! Problemas de solvência são um caso diferente.

 

Não basta só alterar a composição, porque o problema de hoje vai continuar sem solução amanhã, com juros acrescidos. É preciso alterar a própria despesa. Um problema de solvência surge quando eu não consigo sair do buraco por crescimento puro. Seja da empresa, ou de um Estado.

 

E é aqui que este post vai começar a causa mal estar. Nós já passamos o ponto onde conseguimos escapar ao problema "fazendo crescer a economia" e mantendo tudo o resto constante. Ou seja, se o défice é medido pelo PIB, eu ou reduzo o défice ou aumento o PIB. A última opção não nos está disponível. E a razão está num pormenor que ando aqui a bater desde que estou no Psico: Dinâmica de Dívida instável.

 

Basicamente, chegamos a um ponto onde estamos a pagar juros de dívida pública com dívida pública. Isto quer dizer que o défice ultrapassou, por larga margem, o ponto critico. Em finanças públicas estuda-se que, dívida quando moderada é estável (ou, no jargão, estacionária). Não quer dizer que não sirva de peso e amarra a uma economia, mas ela não cresce nem se alimenta sozinha. Mas existe um ponto de défice (demora-se uns anos a chegar lá mas já andamos nisto há bastante tempo) a partir do qual a dívida deixa de ser estável, e começa a aumentar sem limite (outra vez, no jargão, deixa de ter ponto estacionário e torna-se "dinamicamente instável"). Esse ponto é quando se paga juros com dívida. A quantidade de dívida aumenta sem restrições, em curva exponencial (basicamente, um gráfico que aponta para a lua!).

 

Não é bonito pois não? É uma aritmética fiscal muito desagradável. Porque é que não se consegue parar o ciclo só com crescimento? Porque neste momento o crescimento está limitado pelas taxas de juro. Nos dias de hoje, Portugal tem de crescer cerca de 6% ao ano, só para pagar as suas dívidas. Já escrevi sobre isto: é por isto que Portugal cresce, e as pessoas se queixam que "não vêem nada". Até lá, a taxa de juro da economia, estamos a trabalhar para aquecer. Como o Estado passou o limite, e neste momento perdeu o controlo à taxa de crescimento da dívida pública (que é, dado que temos 100% de dívida externa, financiada no exterior), aqueles 6 por cento só têm um sitio para ir.

 

Então temos aqui uma corrida de salmões: Estamos a trabalha para aquecer a níveis cada vez maiores com cada ano que passe. A dívida também não ajuda, pois dívida "ensopa" capital: 100% dívida externa implica que não há capital em Portugal, logo eu tenho que me endividar, enquanto economia, para crescer a economia para pagar os juros que a economia suporta, que não param de crescer ano após ano porque eu tenho cada vez mais dívida! Confusos? Pois... convenhamos que não faz muito sentido!

 

Logo, quando se fala no PEC, e a seguir se diz que tem de ser um PEC com "Crescimento" [Erro partilhado por todos, do CDS ao BE, não excluindo PSD] estamos a cair na falácia acima. O PEC tem de ser, antes demais, Estabilidade. Neste caso, estabilidade da dívida pública. E para isso, digo-vos já em contas redondas: o Défice é de 9%. Os juros que pagamos actualmente andam a rondar os 4% e a subir. Basicamente temos de passar de -9 para, no mínimo, +4%. São só 15% de distância. E a aumentar: quanto mais tempo perdermos, mais os 4% sobem. Vamos refinanciar 25% da nossa dívida pública este ano. A taxas entre os 5 e os 7%. Logo, se nada se faz de agressivo este ano, o alvo continua a subir.

 

É uma pescadinha de rabo na boca desagradável. Que nenhum partido está a responder. Como disse: a proposta de PPC é boa porque nos dá algum espaço. Não chega porque não resolve esta aritmética. Ele tinha razão quando disse, nas directas, que este PEC não servia. E não serve. E vamos pagar muito caro, cada dia que passa.

 

Por isso, serve esta lenga-lenga de Post para pedir encarecidamente a quem de direito no PSD: se faz favor, mexam-se! E um bocadinho mais rápido se faz favor! Em vez de se perder tempo a falar em "Unidades de Saúde de proximidade", "Revisões constitucionais" e "ataques especulativos à soberania nacional"! A gerência, e a minha geração, agradecem!

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