De como a América (não) está preparada para um presidente negro ou uma "presidenta" e de como estes
Muito se tem falado, escrito e ouvido sobre as eleições americanas. O facto mais interessante parece unânime, temos pela primeira vez e com reais hipóteses de vencer as presidenciais deste ano um negro ou uma mulher.
Devemos, parece-me, pôr esta histórica história em perspectiva. Quando se fala em estar a América preparada ou não para o tal presidente negro ou "presidenta" partimos para a discussão abertamente, contudo logo somos impelidos a esmiuçar os resultados. Seja por vontade própria, seja por sermos impelidos pelas análises mediáticas, partimos em busca do fundo da questão, da tal quintessência, até porque é normal sermos curiosos.
Em o fazendo vamos estratificando os resultados, desdobramos os votos em jovens e velhos, trabalhadores, estudantes, reformados, "n'importe quoi". É normal que assim seja, o tratamento estatístico dos dados é saudável e, de um ponto de vista antropológico-cultural, necessário.
Agora, pensem nisto, já viram alguma vez, em eleições europeias, um nível de detalhe no tratamento desses dados que inclua a raça, o credo e a etnia, e que os valorize da mesma forma que os critérios supracitados de forma tão natural como nas eleições americanas?!
Eu, sinceramente, não. Posso andar distraído, mas nunca vi um politólogo/politicólogo a descrever, com a minúcia com que a CNN nos brinda, o facto de x percentagem de eleitores serem negros ou hispânicos, católicos ou protestantes e de como os candidatos têm de melhorar nesse segmento em particular.
Dirão vocês que o problema é nosso, que Portugal não dispõe da diversidade étnica e religiosa de um país como os EUA. Bom, posso até aceitar o princípio, mas ele não explica tudo.
Em primeiro lugar porque não explica que em eleições em países como a França ou Inglaterra não se vislumbre, de igual modo, uma tal dispersão de dados (pode ser que ande distraído, mas não me lembro, como já disse, de tal minúcia estatística);
Em segundo lugar, e mais importante, não explica o facto de, para cada um desses grupos, haver uma mensagem absolutamente distinta, ou pelo menos de existir a necessidade de contactá-los como se de produtos diferentes se tratasse. Pensemos, se é certo que os EUA são um "melting pot", não menos certo é que se gabam de o ser em harmonia, paz e prosperidade. Tudo isto é verdade, mas não faz de um conjunto de pessoas aglomeradas num território um povo, muito menos um país.
No fundo o que tento argumentar é que se trata de uma declaração tácita de derrota nacional. Sem dar por ela os políticos americanos, ao terem pesos, medidas e palavras diferentes para cada um desses estratos, estão a reconhecer, não as duas américas de que Edwards falava desde 2004 (a pobre e a rica, mais compreensível até), mas as 4, 5 ou 6 que existem. E isto é tanto mais grave quanto esses mesmos políticos não se dirigem a minorias cujo peso democrático é menor (por exemplo os indianos).
Ora, proclamar uma campanha de negros, asiáticos ou católicos, é um sinal, para mim, do muito que falta fazer. E acreditem que não é elegendo um negro ou uma mulher, cujas campanhas operam nesses moldes, que se alterará utopicamente o "status quo". É um passo importante é certo, mas não esperem milagres.
A discussão que lanço aqui não pode deixar de ter uma portugalidade latente. Pensem bem, estaremos nós melhor ou pior do que os americanos neste aspecto? Seria possível em terras lusitanas um presidente negro, ou uma "presidenta", ou uma presidenta negra, ou um judeu confesso, ou muçulmano? É que às vezes a superioridade moral ocidental (leia-se europeia) esconde lacunas muito perigosas...