Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

Dois becos constitucionais

Tiago Sousa Dias, 23.12.08

Tive Direito Constitucional em 1999. No ano em que entrei para a faculdade. Lembro-me numa das aulas termos feito um mini-teste com duas perguntas. A primeira era como tratar uma norma constitucional que colida frontalmente com outra (materialmente). Ou seja, se agora uma alteração constitucional não eliminasse a proibição da pena de morte e uma nova norma estabelecesse que a pena de morte era admissível sem revogar expressamente a anterior. Respondi que não acontece nada e vivemos num sistema jurídico que, estúpidamente, aceita e rejeita (simultâneamente) a pena de morte. Isto porque entrando no leque constitucional e não se aplicando alguns principios básicos de técnica legislativa porque se trata de uma norma constitucional; uma vez adquirida, por aprovação, dignidade constitucional, não perde mais essa força e pouco importa qual existia primeiro. São ambas texto constitucional e valem como tal. 

Enviei uma pequena carta a Jorge Miranda pedindo a sua opinião anexando a resposta ao mini-teste. Guardo essa carta religiosamente pois que o mesmo me disse que já havia pensado isso mesmo e concordava de jure constituendo.

 

Dois anos depois, Otto Baschoff deu uma conferência traduzida para português (salvo erro na Gulbenkian) onde falou das... "Normas constitucionais inconstitucionais"; esse artigo foi seguido por todo lado e hoje ninguém contesta que existe um vazio legal gravíssimo na constituição que ninguém se dá ao trabalho de resolver.

 

Jorge Miranda disse, está dito.

 

Coincidências da vida e a segunda pergunta, para iniciantes de Direito Constitucional, era  o que acontece se o Presidente da República nada fizer após o reenvio de um documento legislativo. A minha resposta foi "Nada". Ou seja, recebido o documento, o PR pode "promulgar" pode decidir que não promulga ou, terceira hipótese, nada faz, nada diz... e nesse caso a lei nada prevê. Eis que temos o veto de gaveta.

 

Ontem, Jorge Miranda disse que o Presidente da República pode bem pegar no Estatuto dos Açores e guarda-lo na gaveta. Na prática é como se vetasse o documento, mas sem o vetar, esquecendo-o porque a nada é obrigado.

 

Que fará o P.R.?

 

E o legislador? Quando é que se dá ao trabalho de expremer as espinhas da Constituição e limpar-lhe as costas? Porque é que continuam a haver parvoíces como a Incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS constitucionalmente consagrados? E estas falhas clamorosas fundamentais? Alguém faz alguma coisa? (já postei recentemente sobre a necessidade de revisão desta constituição, mas por motivos ideológicos só; desta vez por questões sistemáticas e materiais - claro, mas não exclusivamente).

 

Na última revisão constitucional assisti a um debate demorado porque havia uma alínea do art.º 288º dedicada aos direitos dos trabalhadores. O PSD achou que, por método, devia ser retirado porque os direitos dos trabalhadores já estavam protegidos pela previsão dos Direitos, Liberdades e Garantias. Este foi um exemplo das interessantes e inúteis revisões constitucionais recentes.

29 comentários

Comentar post

Pág. 1/3