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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

Northern Rock, versão tuga

PsicoConvidado, 25.11.08

Muitos portugueses estão neste momento a pensar o que é se passa com o Banco Privado Português (BPP), quais as semelhanças com o Banco Português de Negócios (BPN) e porque é que o Estado vai deixar o primeiro falhar, quando não deixou o segundo.
Note-se o seguinte, antes de mais: não são casos iguais! Muito pelo contrário. No BPN existiu fraude. Essa fraude causou um buraco de 700 mil milhões de euros, à altura da nacionalização. O BPP tem outro problema, nomeadamente a estrutura do seu balanço e foi a mesma coisa que já levou ao fundo vários bancos, entre os quais, o Northern Rock, no Reino Unido. Vou tentar ser o menos técnico possível a descodificar este “Northern Rock português”.
 
O que se passa é muito simples. O BPP tem um balanço total de quase 1,7 mil milhões de euros em activos. A suportar esses activos estão pouco menos de 200 milhões de euros de capital próprio. [Note-se que estou a usar os dados do primeiro semestre, pois decerto que a posição do banco hoje é pior]. Ou seja, por cada 10 euros detidos, 9 são de fontes externas. Nem é assim tão preocupante, não fosse um pequeno problema: o BPP não tem uma base de depósitos grande para se financiar. Apenas 3,8 euros, por cada 10 euros detidos, vêm de depósitos. O resto vem de empréstimos, muito provavelmente do mercado interbancário, ou seja: dívida de curto prazo. Ora, aqui reside um problema enorme: este mercado está parado em vários sectores e países (por exemplo, EUA e Reino Unido). Portugal não é excepção. O negócio costumava ser: pede empréstimo inferior a um ano, no mercado interbancário, para investir em activos de longo prazo, normalmente com risco. Ao fim de um ano, pede outro empréstimo, paga o primeiro com o segundo, e continua em jogo. Chama-se a isto fazer o “Rollover da dívida”. O grande risco é se o apetite do mercado por este tipo de empréstimos acaba. Ai, não é possível “rolar” a dívida, e tem de se vender activos para pagar ou assumir um rombo.
Infelizmente, os problemas não terminam aqui! O BPP não era um banco no sentido tradicional do termo. Eram mais um fundo de investimento (Hedge Fund, para ser honesto) que tinha uma licença bancária em Portugal. E isso vê-se bem no seu balanço: 950 mil milhões de crédito a clientes. Crédito normal? Não! O mais provável é: o cliente coloca um depósito de n euros, o banco concede um crédito para alavancar a posição, coloca o dinheiro na gestora de património, que está fora do balanço, e investe o dinheiro. Isto significa maiores ganhos para o banco e para os clientes em tempos bons. É também uma óptima receita para a bancarrota em tempos maus. Bastaria que, hipoteticamente, tivessem perdido 10% dos investimentos que fizeram para perder metade do capital próprio! Os mercados já perderam bem mais de 10%...
 
O mais provável é terem investido em activos de elevado risco (estou a pensar obrigações sobre hipotecas) e agora o Banco Central Europeu não as aceita para troca de liquidez, por serem... lixo! Daí a necessidade do aval do Estado: só com o Estado a dizer que se o BPP não pagar paga ele, é que o mercado financia o BPP. Contas redondas do vosso psico-convidado: o BPP deve ter perdido um terço do seu investimento (daqueles 950 milhões de euros). A única maneira de sobreviver a um choque destes seria fazer o dito “roll over da dívida” e aguentar a tempestade na esperança de que os investimentos recuperem. Na ausência disso, tem de vender activos ao preço actual, assumir as perdas e, no processo, ficar sem capital. Basicamente, andaram a brincar aos especuladores, e agora estão a observar o outro lado da medalha: a coisa tem riscos!
 
Deve ser salvo? Não! Não é um risco sistémico, na medida em que o desfazer das suas posições não representa um choque para o mercado. O único risco que poderá haver é destabilizar o mercado interbancário local português, onde os pequenos bancos normalmente se financiam. Depende do volume de transacções, mas como tudo em Portugal, esse mercado é tudo menos transparente. Competirá ao Banco de Portugal, no limite, gerir a liquidez para minimizar o impacto.
Quanto às semelhanças com o BPN, elas acabam nas primeiras duas letras! Não há! O BPN foi fraude, e ainda hoje estão para me explicar o porquê da nacionalização. Não havia risco para o sistema, os depositantes tinham a garantia do Estado até 50 mil euros de depósito. Foi puro aproveitamento político da situação. O que me leva a questionar a política do Terreiro do Paço, ou melhor, a coerência da mesma política! Parece-me que estão a fazer decisões ad hoc, consoante o banco é ou não um risco, e mais perigoso, consoante o aproveitamento político que podem fazer: no BPN protegeram o comum dos portugueses (que já estava protegido, mas isso não interessa nada ao caso!), no caso do BPP deixaram o grande capital comer as perdas... no mínimo, demagógico!

 

 

Psico-Convidado: Guilherme Diaz-Bérrio

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