Portugal leva-nos, muitas vezes, à insanidade temporária. Veja-se a discussão em torno do relatório sobre a reforma do serviço público de televisão. Um desassossego! Apresentado o relatório (com sugestões imbecis, digamos já de passagem) foi uma gritaria desmedida por esse país fora. Parecia uma discussões entre namorados que terminam invariavelmente por exaustão de um dos intervenientes. A discussão política em Portugal é, muitas vezes, assim. Alguém apresenta uma proposta, depois começa um berreiro estridente sem que se avançem propostas ou alternativas deitando por terra sejam as boas, sejam as más ideias apresentadas na proposta. É a política-circo. E eu confesso pouca paciência para a política-circo.
O relatório avançou com uma proposta cuja mediatização foi proporcional ao tamanho do disparate. Colocar a RTP Internacional sob a orientação do Ministério dos Negócios Estrangeiros não me causaria insónias, não fosse o artigo de opinião de João Duque, responsável pelo dito relatório, no Expresso onde explica por miúdos como pretende transformar um canal de televisão numa central publicitária do país. O facto de esta ideia ser completamente despropositada do ponto de vista do serviço público, não invalida todo o relatório. Ouvi também dizer que é um disparate acabar com a informação na RTP porque informação é serviço público. Errado. Se a RTP passa ou não informação é perfeitamente discutível. Eu considero que deve ter conteúdos de informação. Mas acho perfeitamente legítimo que se defenda o contrário. O que não falta hoje em dia é informação disponível, seja na televisão (não pública), nos jornais ou na internet.
O serviço público visa garantir a pluralidade de debate. Nesse sentido, o Estado não precisa deter um canal, basta que contratualize conteúdos com os privados. A RTP, como existe actualmente, não presta serviço público ao dedicar tempo de antena a filmes de Hollywood. Não presta serviço público com programação de entretenimento como o Preço Certo. Eu preferia que o Estado alienasse o seu canal de televisão aos privados e contratualizasse com estes o número de horas que entendesse suficientes para garantir o tal debate plural e a difusão da cultura e identidade nacional. O Prós e Contras não podia passar na SIC por contracto com o Estado? O Portugal em Directo não podia passar na TVI por contracto com o Estado?
Manter o canal de Televisão sem publicidade é o começo de uma reforma necessária mas limita-se a adiar para o futuro a resolução definitiva do problema. Primeiro, porque sem quaisquer receitas de publicidade a televisão dita "pública" vai continuar a sair-nos muito cara. Depois porque o Estado continuará a pagar muito dinheiro por um canal de televisão, sem que esse dinheiro se traduza em verdadeiro conteúdo e em serviço público prestado aos cidadãos. Imagine-se que o Estado dispunha do Orçamento anual da RTP para incentivar à criação de cinema nacional; para a promoção de debates plurais; para subsidiar jornalismo de investigação; etc. Certamente ficaríamos todos muito melhor servidos. Mas enfim, isto sou eu a evitar a discussão nupcial...