A importância da Segunda Guerra Mundial como acontecimento seminal da dinâmica política contemporânea nunca deve subestimada.
Todos ou grande parte dos nossos valores políticos podem ser retraçados à Guerra de 39-45: desde a encarnação moderna de esquerda (socialista) e direita (nacionalista), aos heróis políticos reverenciados (quantos perfis do Facebook não se declaram fãs de um dos estadistas beligerantes), às próprias explicações e posições de teoria económica que diferentes intelectuais vão dando/assumindo para as várias crises que periodicamente assolam um estado ou mais, economia local ou global, um sector produtivo ou outro.
Mas a Segunda Grande Guerra, que na primeira metade do século XX parece ter determinado a estrutura (linhas divisórias, terminologia, etc.) da subsequente realidade política por três gerações, sofreu uma mitificação ao longo destes últimos 65 anos.
Sobretudo nas últimas gerações, a 2ªGM é a Guerra do Bem (Aliados) contra o Mal (Eixo). Os bons ganharam devido à sua superioridade moral e os maus perderam pela sua perversidade. Hitler é hoje um nome tão negativamente discriminado como o de Mefistófeles ou Lúcifer em séculos anteriores e existe para todos os efeitos como personificação da pureza maléfica. Tudo e todos na 2ªGM são passíveis de comparações e analogias com situações contemporâneas, desde a Conferência de Munique, que serve para invocar a cobardia apaziguadora, até Anne Frank como o melhor exemplo de inocência e injustiça.
Mas o mito, como todos os mitos, é uma narrativa de conveniência, muito deturpada e distante da realidade; um mito no qual o Tribunal de Nuremberga é o epíteto de uma catarse que a existir realmente, é parcial e opaca.
Comecemos pelo básico. Quem eram os Aliados? Somos ensinados a responder EUA, Reino Unido e URSS. Pois bem, à excepção da Inglaterra, esta resposta é factualmente errada. Os aliados eram em 1939 a França e a Grã-Bretanha. A URSS acabava de assinar um pacto de não agressão com a Alemanha e os EUA permaneceram numa deriva isolacionista até 1941 e Pearl Harbor. Quem integrava o Eixo? Alemanha, Itália e Japão. Mas só muito raramente se refere que a maior parte da Europa oriental alinhou com o Eixo e que grande parte deste apoio proveio de estados fracos oriundos do desmantelamento forçado da Áustria-Hungria, décadas antes.
O Tribunal de Nuremberga não julgou os ‘maus’ porque apesar do Holocausto, a liderança Alemã não era a única culpada de ter cometido crimes de guerra. Os Aliados não eram os ‘bons’ porque não entraram altruisticamente na guerra para defender o Bem.
Na 2ªGM, diferentes ideologias guiavam os dois lados mas de acordo com estudos recentes a causa da derrota do Eixo não foi inferioridade ideológica mas sim logística circunstancial – não tendo o Eixo acesso à mesma quantidade de recursos com que o império Britânico, os EUA e a URSS contavam.
É importante não deixar que o passado mítico nos cegue. A sociedade ocidental tem hoje em dia, uma exigência extrema em relação aos compromissos estratégicos dos respectivos governos sem se aperceber que não há fórmula universal de intervenção militar e que a haver, a 2ªGM não seria o melhor exemplo. Porque a Segunda Guerra se estendeu por sete anos não significa que todos os conflitos nos quais nos envolvamos tenham que obedecer a tal padrão. Em 2003, aquando da invasão do Iraque, todos os líderes faziam uso de paralelos com a Guerra de 39-45 – como se ela fosse a melhor medida de comparação – para justificar políticas mais ou menos beligerantes de acordo com o imperativo moral em questão.
Está na altura de elevar a fasquia da qualidade do debate. As guerras não são cruzadas morais e as condições em que elas são travadas devem ser avaliadas caso a caso.
Em termos gerais, a relutância do cidadão ocidental em sustentar politicamente uma intervenção militar por parte do seu estado, não é hoje em dia uma decisão consciente partindo dos méritos e deméritos de dita intervenção, mas é em vez, uma decisão facilitista e letárgica baseada na indisponibilidade egocêntrica de procurar informação e no receio mesquinho de ter de contribuir fiscalmente para a prossecução dos interesses do colectivo nacional.