Assisti há alguns dias à apresentação de um livro (“Hajka” de Velimir Ćurgus Kazimir) sobre este estadista Sérvio e decidi escrever sobre ele pois julgo que o seu percurso tem algumas lições valiosas para o PSD.
Um nome estranho para os Portugueses, Djindjic foi PM da Sérvia/Jugoslávia e foi um dos principais responsáveis pela queda de Slobodan Milošević, defendendo reformas democráticas e a resistência pacífica ao regime socialista autoritário.
Depois da queda de Milošević, ele ascendeu rapidamente por entre as fileiras do então caótico panorama político em Belgrado até chegar a PM e primeiro líder de governo da era democrática. Djindjic era um intelectual mas também um visionário dinâmico que promoveu grandes programas dirigidos à juventude e que facilmente seduziu um eleitorado que clamava por novas caras e ideias.
É difícil imaginar que outra personalidade melhor pudesse ter simbolizado a transição democrática neste país, mas a dimensão icónica de Zoran Djindjic não teve tempo de ascender aos níveis de Mandela ou de Wałęsa, devido à sua morte prematura por assassinato em 2003.
A queda de Djindjic no entanto, não pode ser apercebida simplisticamentecomoa derrota dos idealistas depois da revolução – epifenómeno reflectido em Kerensky, Gandhi ou Benazir Bhutto. Djindjic era ele próprio um orador de brio, que sabia encantar o público.Comoqualquer personalidade revolucionária, a sua coragem perante o perigo, para além de inspirar as massas, também revelava algum idealismo, mas não foi a sua ingenuidade que motivou o seu assassinato político e sim aquilo que apenas podemos designar por amadorismo.
Kazimir, o autor do livro, observa que Djindjic enfrentou muitos problemas – muitos, os mesmos que os nossos líderes Portugueses – nomeadamente os interesses instalados, o crime organizado e as corporações. Não é surpresa pois que uma grande campanha negativa tenha sido facilmente levada a cabo pelos seus rivais políticos.
Em Djindjic existe o seu quê de amadorismo. Certamente que o idealismo e a sua credulidade tiveram consequências mas Djindjic era um político, tinha contactos e tinha ambições. Entre as muitas críticas que lhe foram feitas, o pragmatismo figurava entre as principais, isto é que ele não escolhia o caminho mais fácil mas também não optava pelo caminho mais difícil e intransigente, sabia entrar em compromissos políticos. O seu fim trágico fica a dever-se à sua incapacidade de exercer autoridade sobre um aparelho de estado oriundo de quatro décadas de regime autoritário.
Os responsáveis pelo seu assassinato eram membros de uma unidade de operações especiais dos serviços secretos Jugoslavos (DB) – ex-polícia política – os quais, depois do processo de extradição de Slobodan Milošević, não conseguiram adaptar as suas lealdades ao novo regime. A ciência política distingue claramente entre Estado e regime mas a diferença não é tão clara para o comum dos cidadãos e não o é sobretudo nos Balcãs aonde o processo de desintegração da Jugoslávia iria desagregar uma federação socialista multi-étnica para tentar dar lugar a estados-nação.
Não, Djindjic não era um ingénuo, ele sabia os riscos que corria mas a sua inabilidade em conseguir a sincera dedicação dos quadros do antigo regime demonstra que apesar de tudo, havia custos associados às novas políticas e novos protagonistas.
Deixo a questão aos leitores sobre se é possível estabelecer paralelos entre figurascomoFrancisco Sá Carneiro, Zoran Djindjic ou mesmo Abraham Lincoln. Será o sacrifício dos agentes da mudança de paradigma político, inevitável e mero preço estrutural a pagar pelos benefícios de ditas profundas transformações?