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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

Interesse Público ≠ interesse do público

Miguel Nunes Silva, 18.11.13

Portugal é no mínimo uma democracia muito imperfeita. Poder-se-ia dizer que Portugal é uma democracia acívica.

 

A actual crise económica é prova disso pois revela - de acordo com o paradigma do resultado das eleições legislativas de 2009 - que os cidadãos Portugueses não compreendem a essência do sistema democrático liberal no qual vivem:

 

 

 

1. As eleições não servem em Portugal para eleger quem os cidadãos acreditam ser o melhor partidário do interesse nacional mas sim para eleger quem o cidadão acredita beneficiá-lo pessoalmente, governando a curto-prazo. Sócrates não foi mais do que um Valentim Loureiro a nível nacional. Os seus micro-ondas foram os cheques-bébé, o TGV ou os aumentos (tácticos e dolosos) à função pública.

Em 2009, a maioria dos Portugueses tinha mais fé em Manuela Ferreira Leite para ser honesta do que em José Sócrates mas estes mesmos Portugueses não só elegeram como RE-elegeram Sócrates.

 

2. Na democracia Portuguesa, apenas há direitos e não deveres. Manifestações são o pão nosso de cada dia para reivindicar mais benesses governamentais, quer a economia o permita ou não.

 

3. Votar em eleições, um genérico mas talvez o mais importante DEVER cívico, é visto com absoluta indiferença. Metade dos Portugueses não vota ou vota em branco/nulo. Que justificação dá quem falta ao seu dever cívico? "Eles são todos iguais", "Não me revejo em nenhum destes políticos"...

A população Portuguesa é no fundo Sebastianista. Em vez de votarem no menor dos males, ficam à espera da vinda de Cristo à Terra... Os democratas Portugueses ficam escandalizados quando homens providenciais acabam por tomar o poder mas os Marqueses de Pombal e os Oliveiras Salazar não vêm do nada. A hipocrisia da população - e sim, falo da população, das massas, e não das elites, dos políticos ou de qualquer outro bode expiatório frequentemente oferecido para justificar a NOSSA irresponsabilidade como povo - torna-se pateticamente óbvia quando depois de se desresponsabilizar dos seus deveres cívicos, se queixa que os seus direitos cívicos são atropelados pelo governo.

Vejamos o caso do sistema de pensões: milhares reclamam que os cortes nas pensões são ilegais, inconstitucionais e feitos de má fé, porque são retroactivos. Mas quem estava lá para impedir que o governo se sobreendividasse de forma a pôr em perigo o sistema? Ou já agora, quem lá estava para insistir num sistema de poupanças capitalizadas individuais em vez de um sistema de financiamento corrente? Para isso não houve manifs...


Se as pessoas têm ideias diferentes e preferem outro tipo de governação, então é lá com elas pois todos somos livres para pensar pela nossa própria cabeça. Mas então tenham coragem para defender também, os problemas do sistema que advogam! Não pode ser hoje estarmos contra a capitalização porque dá poder aos porcos capitalistas e porque é injusta para quem não poupou, e amanhã estarmos contra o sistema de gestão corrente insustentável para os direitos adquiridos, que antes se havia defendido...

 

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Mas falo nisto tudo porque fiquei abismado com a última emissão do programa do Provedor do Telespectador da RTP.

O tema do último programa era futebol e como tal vários comentadores desportivos - pessoalmente teria vergonha de pôr tal título profissional no meu CV mas enfim - e cidadãos foram entrevistados a fim de perceber os limites exactos do futebol como interesse público.

 

Não fiquei abismado porque os entrevistados não faziam a mais pequena ideia do que significa 'interesse público' - as minhas expectativas em relação à população em geral e aos vultos intelectuais que são os 'comentadores desportivos' ('fofoqueiros da bola' seria um título mais adequado) já são bastante baixas - mas sim porque o próprio Provedor também não compreende algo tão básico para o seu cargo como seja a definição de 'interesse público'.

 

Passo a explicar: as mentes brilhantes que foram opinar - e no caso do Provedor, julgar - o que era interesse público, confundiram 'interesse público' com 'interesse do público'.

Vejamos um exemplo concreto: o serviço de meteorologia é de interesse público porque transmite a 10 milhões de pessoas uma informação importante para poderem gerir as suas vidas nos dias que se seguem. O escrutínio de leis passadas pelo Parlamento serve também o 'interesse público' pois permite aos cidadãos terem acesso a decisões políticas que têm impacto directo nas suas vidas. Todos os telejornais oferecem estes serviços e fazem muito bem.

No entanto, nem a meteorologia nem a política são particularmente do 'interesse do público'. Para isso, os telejornais transformaram-se em programas de entretenimento e transmitem novidades futebolísticas (e não meramente desportivas pois não trazem qualquer utilidade a quem pratica desporto) de cinema ou de música para complementar 'a parte chata' das notícias do dia.


No programa do Provedor, várias pessoas interrogavam-se que tipo de jogos de futebol era digno de ser transmitido pela TV pública: se apenas os jogos da selecção, se apenas os jogos mais importantes das equipas nacionais, etc.


Eu ajudo: NENHUM JOGO É DO INTERESSE PÚBLICO.

Porquê? É muito simples: nenhum cidadão Português tem necessidade de saber seja o que for sobre futebol para levar uma vida absolutamente normal. Nenhum cidadão tem qualquer necessidade de ouvir notícias de futebol para o poder jogar, ele próprio.

O futebol é apenas e somente ENTRETENIMENTO. Nem mais, nem menos.

 

Poderíamos discutir se vale a pena a TV pública transmitir entretenimento mas seria depois complicado justificar que tipo a ser escolhido para exibição.

 

E aqui está uma das causas da esclerose da democracia Portuguesa: os Portugueses não são democratas.

Se interesse público é sinónimo de popularidade, então deveríamos eleger Cristiano Ronaldo nas próximas eleições. Não tenho a menor dúvida de que terá uma muito maior popularidade que Cavaco Silva.

 

Se o Provedor da TV pública não é capaz de discernir entre 'interesse público' e capricho de massas, então porque o haveriam de fazer os políticos?

A função de um estadista não é dar às pessoas o que eles gostam mas sim o que necessitam.

 

Claro que enquanto estádios de futebol forem mais importantes que uma gestão eficaz do sistema de pensões, não sairemos da cepa torta...

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