Indignados de sofá*
*José Eduardo Martins assina, na Única desta semana, uma crónica notável que convida à reflexão:
"Agora que o céu nos caiu em cima da cabeça, andamos, de tocha na mão, à procura cos "culpados" para um auto de fé que nos alivie. Não é má ideia se nos ensinar alguma coisa.
Merkel? Sócrates? Alberto João? Há muito por onde escolher desde que sejam "eles"... "Nós" não..., não tivemos nada a ver com isto...
Henrique Monteiro quer uma lista dos piores fautores de dívida pública. Para que mudar de vida não seja só viver com menos... E se mudar de vida for prevenir em vez de remediar? Agir em vez de reagir?
Afinal de contas, nós sabíamos muito bem que as rotundas e os pavilhões não davam emprego a ninguém e fomos repetindo os autarcas.
Nós sabíamos muito bem que os patos bravos não são espécie a proteger e aceitámos pasmados que o país fosse ladrilhado.
Nós sabíamos que a riqueza era mais que crédito. E sabíamos que o que as empresas públicas devem, também somos nós que pagamos.
Nós maldizemos os políticos mas achámos muito bem que os partidos inventassem umas "diretas" que produzem resultados cada vez mais coreanos e líderes cada vez mais, digamos, frescos.
Nós percebemos que havia cada vez menos jornalismo e memória e fomos encolhendo os ombros entre a SIC N e as séries na Fox.
Nós, quando tudo corria bem, sempre fizemos por ignorar quem nos avisou que ia correr mal.
Nós quem? Todos? Não... a classe média, que vive on line, que lê este jornal e uns livrinhos, que se licenciou, que tem opinião para os amigos.
Indignados de sofá, com obrigação de saber o suficiente para não algaraviar uns anacronismos patetas, de saber que fomos demasiado longe para voltar atrás, que direitos não caem do céu porque se proclamam. Enfim, a gente que mansamente não quis ser a elite que se impunha e o país precisava.
Na Islândia, mais do que julgar um ex-PM, o país julgou-se a si próprio. Mudou de partidos, de políticos e de vida. Agora, confrontados com o aforismo "se não nos ocupamos da política, ela ocupa-se de nós" queremos só cabeças a rolar. Muito pouco para uma geração inteira, não é?"