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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

Encoberto

Gustavo, 29.09.22

“O Poder” – explicou-me um veterano da política, ex-deputado ao longo de 6 legislaturas – “carece de dois elementos: forma e legitimidade”. Ao caso do poder político, a forma está consagrada na CRP, no código administrativo, na legislação que atribui e delega competências aos dirigentes eleitos ou nomeados; quanto à legitimidade, esta encontra-se respaldada em resultados eleitorais, consequências da democracia, tradutores da vontade popular. Assim o é, ou costuma ser, quando o agente de poder se trata de um autarca, de um edil, de um presidente da república, ou do primeiro-ministro.  

Circunstâncias fortuitas (ou infrutíferas, dependendo de quem as vê) pode sobrelevar poderes que, democraticamente, parecem ilegítimos. O vereador minoritário capaz de desempatar um mandato fragmentado, o cacique que preenche as listas de lugares eletivos garantidos, o negociador que assegura a nomeação, o chefe de gabinete “que é quem realmente manda”. Na popular série “House of Cards” o protagonista consegue o lugar de Presidente dos Estados Unidos da América sem nunca ter recebido um voto, confessando à audiência “Democracy is so overrated”. Mas em política existem também poderes informes, frequentemente capazes de superar as valias outorgadas pelo cumprimento de regimentos e estatutos. Denota-se hoje essa situação nos partidos da direita tradicional, cujos líderes assumiram a administração corpórea – gerem os respetivos patrimónios, os seus recursos, as suas sedes e funcionários – todavia, contrariamente aos opositores internos, parecem não ter poder de facto, de se fazer ouvir, de construir narrativas, de manobrar corredores mediáticos, de criar e moldar opinião pública, de granjear reconhecimento ou impor um discurso. Em “Microfisica do Poder”, Michael Foucault fala de uma “sociedade que em grande parte marcha 'ao compasso da verdade' – ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detêm, por esse motivo, poderes específicos"; Um fenómeno semelhante terá sucedido no PS entre 2011 e 2014.

Mark Zuckerberg não precisa de se candidatar para que a sua plataforma possa interferir no resultado eleitoral de qualquer contenda democrática, de qualquer dimensão plausível, em qualquer ponto do mundo. A sua acção não será plasmada no diário da república, mas em vez de alterar a legislação, consegue – conseguiu – alterar a cultura. A noção Gramsciana de que a cultura antecede a política força os agentes políticos a procurar modelar a consciência colectiva fora dos períodos eleitorais, fora de assembleias e ministérios. Mas é política, epur, pressupõe uma disputa de poder. Foi como dirigente político que o Professor Gonçalo Ribeiro Telles (réquiem eternam dona) disseminou as suas preocupações com a ecologia e a reflorestação, que nos chegaram e marcaram décadas antes da jovem Thunberg. Quando o GTH (grupo de trabalho homossexual) surgiu em Maio de ’91, o partido que o elaborara (PSR) conquistou perto de 1 % nas legislativas desse ano e nenhum deputado, mas 30 anos depois as suas ideias quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo são transversais a todo o espectro político, sem que ninguém as conteste. Teve o poder de mudar o paradigma cultural e não precisou de legitimidade eleitoral.

Aquando do pacto com o MFA , a força  dos Partidos advinha da estrutura: organizações numerosas, com muitos militantes, destinados a transmitir programas e material de propaganda por todo o país, assentes na territorialidade (norte, regiões autónomas e raia para o PSD, centro e litoral para o PS) e na cercania com organizações apensas, sindicais (PC) ou eclesiásticas (CDS). O PSR (então, LCI), de tão insignificante, não foi tido nem achado nas reuniões com os militares. Isso mudou em 1999 com a entrada de uma pequeníssima organização no parlamento que emanava, não da estrutura, mas da cultura. De facto, já não eram precisos milhares de ativistas com bandeiras e megafones, bastavam apenas os apoiantes certos em Lisboa e Porto para amplificar as suas causas, maioritariamente mediatizáveis e vindas do estrangeiro. A imprensa, a televisão, fariam o resto. 20 anos depois, não apenas com estas correias de transmissão, mas também graças à democratização da internet e das redes sociais, desmultiplicaram-se os partidos representados no parlamento, que são hoje o dobro de então. Um dirigente de uma dessas novas formulações garantiu-me: “eu sempre disse que tínhamos de ter um partido pequeno, os partidos grandes já não estão na moda”

É uma definição de Jean Charlot que os Partidos se distinguem dos grupos de pressão por ambicionarem tomar o poder, mas se o seu poder é informe não se contabiliza em deputados ou autarquias e se é alavancado fora das urnas, não assenta na popularidade eleitoral. Antes de se contarem os votos, é “assim que se vê a força” aferindo a capacidade de contágio sobre o país, de impacto, ainda que encoberto, sub-reptício. Um canal de Youtube pode mobilizar mais apoio do que uma arruada preenchida, apoio por sua vez traduzido nas agendas que debatemos, nas mensagens em que foca a atenção mediática, nos temas que são e não são passíveis de discutir, nas mensagens que a vastíssima maioria dos fazedores de opinião em consonância publicam.

Assustadoramente, passou a influir o nosso modo de vida, a forma como falamos, o que podemos ou não dizer e até aquilo que comemos. Infectou ainda, maquiavelicamente, os outros Partidos, infiltrando-se, inseminando-lhes temáticas, condicionando-lhes as movimentações, colonizando o seu espaço político, seduzindo os seus apoiantes, validando ou invalidando os seus dirigentes. Eu não posso votar num líder de um Partido onde não milito, mas se conseguir obstaculizar a sua eleição sem me filiar ou pagar quotas, embora informal e ilegítimo, deterei um poder tremendo.

Em pouco mais de duas décadas, contaminou praticamente todas as estruturas da vida pública, mesmo que detenha apenas um punhado (figurativo) de activistas profissionais.

Acusei a geringonça de haver primado pela opacidade, sobretudo na relação entre governo e parceiros. Tudo foi nebuloso. Mas podemos em retrospetiva questionarmo-nos, pontualmente, onde se fez sentir o poder dos segundos durante o sexénio transato. Haverá sido na instituição da polémica disciplina de Cidadania e Desenvolvimento? Na extinção do SEF? Em junho de 2020, enquanto Portugal confinava, consentiu-se ao SOS Racismo – braço armado do supramencionado – que se manifestasse audivelmente na capital. No ano anterior, pretendendo satisfazer as exigentes reivindicações programáticas do junior partner, o governo – em pré-campanha – publicava o controverso despacho 7247/2019. E em 2016, demandou-se a exoneração do tenente-coronel António Grilo subdiretor do Colégio Militar. Terão estes momentos insidiosos sido fruto de “Negociações”? Geringonça obligé?

Estou certo de que o despotismo que assolou a família Mesquita Guimarães seria impensável num ministério tutelado por Mário Sottomayor Cardia ou perante um governo comandado por António Guterres, amantes da tolerância e liberdade. Mas não estou certo das transformações de que padeceu a conjuntura societária, transformando-nos ao longo desta era; Muito menos, da sua autoria. Poderia especular, usurpando a sua terminologia, sobre “o dono disto tudo” que sita ao fundo da Almirante Reis, e que apenas com meio milhão (e dezassete) votos, instilado na regência, exercendo uma tremenda influência sobre a sociedade Portuguesa, ultrapassa em muito os poderes determinados pela constituição ou proporcionais aos seus méritos eletivos. Afinal, quando permitimos que o 2º Partido mais votado numas legislativas chefiasse, incluímos também o 3º. Volto, porém, a Foucault para recordar que “todo o poder gera resistência” e que, os déspotas em democracia, têm apenas o poder que o povo lhes deixar. 

Milagre! A Justiça passa a ver quem julga

Rui Pinto Reis, 23.04.21

Desalforjámos palavrões, gritámos obscenidades e, no fim daquele fatídico e triste espectáculo apresentado por Ivo Rosa, soluçámos entre sons de um choro constante e copioso. Aquele bolsado em directo, mediatizado para todo um país, prendeu-nos às cadeiras. As televisões, com o seu dom de nos abraçar, agarraram-nos à sua frente enquanto nos enojavam e, no fim, uma amálgama de indignação, tristeza e desalento invadiram um país com dúvidas, sem perceber se deveria desconfiar do juiz ou da lei.

 

É kafkiano acreditar que um cidadão tenha sido acusado pelo ministério público sem fundamento. Pior, é aceitar que deve ser tratado de forma diferente pelo facto de ser uma figura pública com responsabilidades no nosso país.

 

Sobre a questão do Senhor Pinto de Sousa, não posso tecer comentários porque, além de não ser jurista, confio na justiça. Mas, enquanto cidadão, não posso deixar de observar a discrepância de julgamento que as pessoas têm feito, mediante a sua clubite partidária, relativamente aos casos que nos vão aparecendo com o passar dos dias.

 

Rui Rio, que a 12 de Abril disse que o resultado da Operação Marquês "é a justiça a não funcionar” e afirmou que "o país vive na impunidade, pelo menos para os mais poderosos”, permitiu que, a 21 de Abril - do mesmo ano -, a sua Comissão Política Permanente lançasse um manto de suspeição sobre o Conselho de Jurisdição do PSD, dizendo que o processo disciplinar que o CJ admite levantar ao líder do partido é um processo político. 

 

Não querendo, obviamente, comparar a gravidade das irregularidades apontadas a um e os crimes imputados a outro, não deixa de ser hipócrita e irónico que, em apenas nove dias, as opiniões oscilem tanto quanto os corpos gelatinosos permitem. Além do desprezo pelas regras e pela denúncia do militante que decidiu queixar-se da conduta do líder do partido, existe uma enorme sobranceria da CPN ao querer imputar as culpas do processo a quem se limitou a julgá-lo. 

 

Uns cometem a infracção. Outros queixam-se. A culpa é de quem julga os factos. 

Estultice, dirá o leitor. Antes fosse! Mas na realidade, é dissimulação, imposturice e sonsice. O que têm estes substantivos em comum e em contrário ao anterior? São cometidos com propósito e conscientemente. 

 

Sem respeito pelas instituições e sem o mínimo de pudor de lançar lama para cima dos que não são alinhados com o poder, muitas vezes, em exclusivo por serem seres pensantes e livres, sem necessidade de comer na mão do dono, há, de tempos a tempos, tentativas de homicídio de carácter que vamos permitindo. Agora não! O silêncio cúmplice não faz de nós melhores do que os culpados, só nos torna tão ou mais covardes que eles e por isso mesmo, temos a obrigação de, por vezes, sair em defesa do carrasco sob pena de um dia, que não estará para longe, deixar de haver quem queira cumprir a justiça com receio do julgamento popular.

 

Sou amigo do Paulo Colaço há anos suficientes para saber que ele não precisa de mim para o defender e que, provavelmente, se pudesse, não permitiria que eu saísse em defesa dele. Mas, Paulo, nestes casos, quem tem de ser cego é a justiça. Nós não.

Game of Egos

Daniel Seco Aragão, 23.01.21

                Um ditador sempre acha que o seu império imaginário é mais puro e mais forte do que um diamante. Mas, ao esbarrar na democracia, como a espuma das ondas nas rochas, a ilusão acaba por se dissipar, por vezes, de um modo estrondoso ou, pelo menos, vergonhoso.

                A fórmula é sempre a mesma: polarizar e dividir para reinar. E é esta estratégia que a uns irrita e, a outros, deleita. Mas uma coisa é certa, não se deve combater o fogo do ódio com a gasolina da sua reciprocidade. É a clareza cristalina dos factos, da paciência e tolerância que pode e deve desvanecer a neblina que promete e estimula o sebastianismo e o egocentrismo.

                Porque será que estas palavras, agora que as escrevi, me parecem ser descritivas de múltiplas realidades atuais? Que dolorosa ironia.

                Nos últimos meses tenho tentado observar de forma mais atenta o musical americano, não da Broadway, mas da famosa Casa Branca. E que belo espetáculo. O melhor é ter uma característica que apaixona os corações lusos: é gratuito.

                Por muito que a imprensa seja tendenciosa, tenho de admitir. Aquele espetáculo tem sido a melhor novela possível. Por vezes digno de um autêntico circo. Nem tenho palavras para descrever tal ato na democracia norte-americana.

                A coroa do populismo, ostensiva para o imperador, revela-se espinhosa para uma República e suas instituições. A última, esperemos, cereja no topo do bolo foi a invasão do Capitólio que recentemente assistimos. Esta é a segunda vez que a casa da democracia norte-americana foi assaltada. A primeira foi feita pelos ingleses em 1814. Curiosamente, não me admiraria que estes últimos o tenham feito um pouco mais bem vestidos. Sem chifres, pelo menos, visíveis.

                Os indivíduos que tentaram tomar de assalto o Capitólio representam uma consequência de uma política e postura infantil e autoritária. Foram movidos pela mentira e desespero de um homem. Irónico que seja a nação que mais despende em defesa, tenha sido alvo de uma insurreição interna. 

                Após perder as eleições, colocou em tribunal uma série de ações e pediu várias recontagens. Algo que estava dentro do seu direito. Perdeu caso após caso, recontagem após recontagem e mesmo assim a criança ainda acha que pode ficar com aquele que vê como o seu brinquedo: o poder. Assim, nestes últimos meses tem afirmado que as eleições foram fraudulentas quando juízes que ele próprio nomeou e membros do seu próprio partido envolvidos nas eleições o desmentem.

                Trump perdeu. Perdeu as eleições. Fiquei feliz por ver a atitude democrática que alguns dos mais distintos republicanos mostraram ao defender a vitória de Biden. Tê-lo-ão feito porque, possivelmente, ao contrário do atual presidente, não acham que a democracia é uma pastilha que se pode deitar fora quando acaba o sabor.

                Como terminarão estes dias da família Trump na Casa Branca? Uma coisa é certa. Vale sempre a pena ter um pacote de pipocas por perto. Nesta novela tudo é imprevisível, mas esta personagem laranja não precisa só de sal ou noção, mas um pouco de humildade. A democracia não é um jogo de egos.

SNS, o pandemónio de Portugal

Matilde Carvalho, 17.11.20

Quando chega esta altura do ano sou confrontada com imagens preocupantes, algo que já me acompanha a algum tempo. O cenário é sempre o mesmo: algures neste país um hospital cheio de doentes, uns em cima dos outros. Nas legendas aparece algo relativamente à falta de camas ou os tempos intermináveis de espera. Até que parei e pensei. Porque é que este cenário persiste no país? Ano após ano o problema permanece e nada do que é feito o consegue resolver. Somos o país dos tapa-buracos porque nunca resolvemos os problemas no cerne da questão. Isto tem um nome INCOMPETÊNCIA.

                                                   

Ao longo de tanto tempo, ainda temos um SNS incapaz de responder a todos. Ainda temos pessoas sem médico de família, consultas adiadas e por fazer, o mesmo com a cirurgias e as listas de espera intermináveis. Escusado será dizer que a saúde deve ser acessível a todos. Custa muito investir na saúde? Metemos dinheiro na TAP e não é foi assim tão pouco. Custa-me ver o dinheiro dos contribuintes gerido desta maneira. Acho que é mais útil investir em meios de saúde eficientes ao serviço da população do que para manter pública uma empresa de transportes que poderia ser privada sem que isso prejudicasse o país.

 

E o combate à pandemia? Foi o descalabro total. Era previsível que ia existir uma segunda vaga, mas é normal o governo não se ter preparado? Não, não é. Tiveram muito tempo para se anteciparem e preparem o SNS, para reduzirem as desigualdades sociais que a pandemia veio agravar. Acho que tenho o direito de exigir mais dos "supostos" representantes! Mais e melhor pelo meu país.

Qual é a solução que o governo impõe à população para retificar a sua incompetência? O estado de emergência.

 

Na intervenção no debate do estado de emergência, Rui Rio afirma que, em democracia, “os direitos, liberdades e garantias têm de estar hierarquizados” desculpe?! Acho que não percebi bem. A isto é que se chama uma entrada a pés juntos. De seguida afirma que “não podemos cair no fundamentalismo - para não dizer no ridículo - de não abdicar temporariamente de um direito menor em nome de um direito maior”. Para mim não se trata de abdicar de um direito temporariamente, é um direito que me foi tirado faz já algum tempo. Como ousa alguém referir-se à liberdade de outro indivíduo nestes termos?! Se é para abdicar de direitos porque é que os deputados, ministros, secretários de estado, entre outros não abdicam também do direito de liberdade, trabalhando a partir de casa? Não sabem usar o zoom? Seria temporário.

 

Na sua intervenção também afirma que “a situação sanitária e económica do país é hoje mais delicada do que era há oito meses”. Depois disto fiquei sem chão. Se a situação hoje é mais delicada do que há oito meses, uma quota parte é da sua responsabilidade, por não andar a fiscalizar o governo com eficiência. Que eu saiba não fui eu que votei a favor do fim dos debates quinzenais, não fui eu que aceitei tudo o que o Governo decidiu. Se calhar sou militante do PS e nem me apercebi.

 

Mais do que nunca era agora que os portugueses e o país precisavam de políticos que representassem as nossas liberdades e os nossos direitos e garantias. Pelos vistos a liberdade é só uma vez por ano e é no 25 de abril. Sim, aquele dia em que os portugueses ficaram em casa e alguns foram para a Assembleia celebrar.

 

É justo pedir outra vez às pessoas que fiquem em casa? Não, não é.

Sinto a minha liberdade ameaçada de uma forma que nunca sonhei. Não me sinto livre de todo.

Pergunto me se a saúde mental vai continuar a ser marginalizada e se o governo pretende investir na saúde metal dos portugueses. Porque sim a saúde mental vai ser a doença deste século. Alguém pensou nas consequências de um segundo estado de emergência?

 

As pessoas vivem numa incerteza e ainda levam com um primeiro-ministro numa entrevista a uma estação de rádio que quando questionado sobre a duração do estado de emergência, defende que “no limite até ao fim da pandemia. Não quer dizer que as medidas depois, em concreto, durem permanentemente.” Tendo em conta que não existe previsão do fim da pandemia, será caso para diz “Calado era um santo”. Acho que só veio causar mais distúrbios e na minha opinião um primeiro-ministro que diz isto não sabe o que anda a fazer. Se o estado de emergia durar até ao final da pandemia significa que o primeiro-ministro e o seu governo foram incompetentes no combate à pandemia e que não zelaram pelos interesses das pessoas.

Roleta Americana

Estará o Tio Sam em Apuros?

Daniel Seco Aragão, 25.10.20

   

     No dia 3 de novembro, assistiremos a um verdadeiro espetáculo, celebrando um interessante conceito grego, a democracia. Os Estados Unidos da América são um país no qual coexistem realidades muito distintas e, por vezes, inconciliáveis. Em 2016, contra as perspetivas anteriormente dadas pelas sondagens, Donald J. Trump ganhou as eleições presidenciais, obtendo a maioria dos membros do Colégio Eleitoral, apesar de ter conseguido menos votos, no total.
    O ano de 2020 tem-se revelado muito interessante, digno de um agradável filme de ficção científica, drama, ação, ou falta dela. As eleições presidenciais norte-americanas não podiam de deixar de ser igualmente circenses, com uma disputa entre dois avozinhos. O que acontecerá?
     Nestas eleições, o candidato do partido democrata é Joe Biden, e o do partido republicano é o atual presidente do país, Donald J. Trump. O primeiro, diria, político de carreira, Vice-Presidente de Barack Obama, é um candidato que se posiciona mais ao centro a nível ideológico, enquanto que o segundo, polémico empresário, assume uma postura conservadora e até ultraconservadora.
     Em dezembro de 2019, o mundo começou a virar as suas atenções para uma cidade chinesa, Wuhan, até à data pouco conhecida. Enquanto que os cidadãos, formigas num jogo de gigantes, iam tomando o seu dia a dia, de forma normal, os governos, a nível mundial, começaram a receber informação sobre um novo e perigoso vírus.
     Com um vertiginoso escalar, em março, um mundo despreparado e inseguro ficou obrigado a conviver, semanas a fio, apenas com os membros do respetivo agregado familiar. A humanidade quase que parou, pelo que também parou a economia, mas o desemprego, irrequieto indicador, subiu em flecha.
   Nos Estados Unidos, portanto, foi quebrada uma importante condição vital à reeleição, a segurança e pujança da economia. A sua postura ziguezagueante, por vezes tola e irresponsável, primeiro ignorando o perigo e elogiando o governo chinês, desprezando e adiando qualquer decisão que permitisse controlar o vírus de forma eficaz, foram erros crassos. Também a forma um pouco humorística que teve, gozando com os responsáveis de saúde e dando conselhos, por vezes mortais não abonaram nada em seu favor. Quando não se sabe do que fala, mais vale estar calado.        Este pandemónio colocou a descoberto as fragilidades do sistema de saúde norte-americano, visto que, no desemprego em que milhões se vieram a encontrar, deixaram de ter seguros de saúde, antes associados aos seus contratos de trabalho.
      Todos estes pecados eleitorais, levaram a que um bastante provável vencedor passasse a estar bastante próximo da excomunhão presidencial. De repente, o cenário político inverte-se de forma abissal, a nível das sondagens nacionais, o democrata, atualmente, tem cifrado a sua superioridade em 9%, em média. É certo que os democratas, com grande força em Estados muito populosos, como a Califórnia, têm tendência a ganhar o voto popular, o que não implica uma vitória eleitoral, como referi, mas este valor é claramente expressivo. Passaram a entrar na classificação de swing states bastiões vermelhos, como o Arizona. Este grupo de estados passou a ser composto, no meu entender, por 13 estados, que, ao todo, agregam 164 votos no Colégio Eleitoral.
   Atualmente, as sondagens dão uma vitória na maioria destes Estados a Joe Biden, com vantagens, por vezes claras, do ponto de vista estatístico. O cenário, neste momento, é o da vitória democrata, apesar de que probabilidades não passam disso mesmo e que tudo pode mudar.
     Mas atenção, no meu entender, Donald Trump tem nas suas mãos o destino desta eleição. Ele tem uma capacidade para mobilizar massas de forma assustadora, seja por apoiantes ou por pessoas que não o apreciem particularmente. É importante ter em mente que este era um candidato que derrubou verdadeiros profissionais políticos do partido republicano e que se tornou a sua imagem. Conseguiu criar uma sociedade de ódio entre perspetivas políticas diferentes, polarizando o teatro político de forma brutal.
    Num mês de outubro já em chamas, com a questão da aceitação ou não dos resultados eleitorais, por exemplo, o contágio presidencial pode muito bem iniciar a lista de surpresas já características desta reta final. Que últimos truques terão os jogadores na manga? Que mais escândalos ecoarão pelo mundo? Quão mais será dilacerada a sociedade americana? E a magistral pergunta: quem será o imperador da civilização ocidental nos próximos quatro anos?
     Enfim, por vezes pode parecer que tudo isto não passa de uma querela entre dois idosos, num lar, mas aqui a gerontologia nada consegue fazer. Talvez a psiquiatria fosse o melhor remédio.

Estados Unidos da América – Guia para Totós

Daniel Seco Aragão, 23.10.20

     

     Os Estados Unidos da América são um país muito, mas mesmo muito peculiar. Sim, para um europeu pode parecer um pouco arrogante, mas tentarei focar-me em considerações mais exatas.

      Em 1776, após ser atirada ao mar uma boa quantidade de chá, um grupo de ilustres senhores, decidiu fundar um novo país. Depois de umas guerras e emendas constitucionais, passaram de 13 para os atuais 50 Estados. Para os mais distraídos, são os donos do mundo. Mas estão sentados numa poltrona que está a ficar um pouco envelhecida e, com sorte, ou azar, ainda perdem o direito ao trono para a sua grande "amiga", a China. Atualmente, apesar de parecer que não gostam muito de produtos mexicanos, foram capazes de criar, diria eu, a maior novela mexicana da atualidade. Incrivelmente, têm umas audiências muito interessantes, porque é sempre divertido ver quem será a próxima criança que brincará com o maior arsenal de mísseis telecomandados, daqueles que não se compram nas lojas. Como aquelas meninas dos programas da tarde, a comunidade internacional baterá palmas a quem for coroado Rei do Mundo, aguardando por instruções e uma festinha.

      Mas como está este país organizado? Que particularidades tem?

     Os Estados Unidos da América são uma república federal presidencialista. Este país, tendo sido construído sob ideias iluministas, tem uma organização política que possui uma série de pesos e contrapesos, de modo a proteger a segurança da democracia.

     A grande maioria dos 50 Estados é governada um pouco como o país em si, com duas câmaras de “deputados”, uma baixa e outra alta. Também são administrados por um Governador.

     A nível nacional, existe a Câmara dos Representantes, com 435 membros. Estes são eleitos por regiões nas quais os Estados são divididos, e que possuem um número de residentes semelhante. A Califórnia é o que tem mais membros, 53, visto ser o mais populoso. Os seus mandatos são de 2 anos. São responsáveis pela discussão e propostas de leis, por exemplo.

     O Senado, conhecido como a câmara alta, é constituído por 100 elementos, 2 por cada Estado. Tem responsabilidades ao nível da nomeação de membros para o sistema judicial, seja ao nível Estadual, ou do recentemente mais falado, Supremo Tribunal. Este último é a organização mais importante da Justiça norte-americana.

     Como se não fossem suficientemente distintos, as suas eleições presidenciais têm contornos dignos de uma obra de Salvador Dalí. A eleição do Presidente dos Estados Unidos da América não é feita diretamente pelos seus cidadãos, mas sim por um conjunto de membros de um Colégio Eleitoral. De acordo com a Constituição norte-americana, as eleições devem decorrer na primeira terça feira, seguida da primeira segunda feira do mês de novembro. Nesta, os eleitores votarão, no seu Estado, entre os candidatos que se apresentarem a eleições. Cada Estado tem, de acordo com a sua população, um número determinado número de lugares no Colégio Eleitoral, sendo ao todo 538. Basta um candidato num determinado estado ter mais um voto que o segundo, para que todos esses lugares sejam ocupados apenas por membros afetos ao vencedor. Assim, no fim de contados todos os votos, estarão eleitos os vários membros desse colégio que votarão no candidato a que estão afetos. Ou seja, um político pode vencer as eleições, superando o seu adversário em alguns Estados, tendo de perfazer os 270 membros do Colégio, mas ter menos votos populares, no total nacional, algo que já aconteceu no ato eleitoral de 2016.

     Neste país há uma alternância entre dois partidos no poder: o Republicano e o Democrata. O primeiro tem como símbolos o vermelho e o elefante e é mais conservador, enquanto que o segundo se associa ao azul e ao burro e possui uma ideologia mais progressista.

     Ao nível eleitoral há estados denominados de azuis ou vermelhos, conforme a sua tendência partidária nos últimos anos e décadas. Os estados que mais variam na escolha de partido são chamados de “swing states”, sendo, por isso, o foco da atenção dos candidatos à presidência. Veremos qual será o melhor "swinger".

    Qual será o resultado desta roleta americana? Estará o Tio Sam em apuros? Não percam o próximo episódio de um psicótico blogger.

 

Os deuses devem estar com Covid-19

Rui Pinto Reis, 03.10.20

Numa altura em que julgamos que ninguém está a salvo, havia, até hoje, alguns, poucos, seres humanos que julgámos imunes à pandemia. Os grandes decisores políticos em exercício, fruto do endeusamento que fazemos dos cargos que ocupam, são, no imaginário comum, imunes a qualquer alteração do quotidiano dos comuns mortais. 

Donald Trump é o líder do mundo livre, goste-se ou não. E, pelas funções que desempenha, é uma das pessoas que ninguém acreditava que o novo coronavírus tivesse a ousadia de infectar. Provavelmente, nem mesmo Trump.

 

A questão que hoje se coloca, mais do que a saúde do Homem que essa só a biologia decidirá, é o impacto que a doença terá na campanha presidencial.

Os analistas políticos defendem que o problema do POTUS ditará o fim do candidato. Eu, em contracorrente, acredito que os analistas não podiam estar mais errados.

Facto: um chefe de Estado negacionista é atingido pelo problema que desvalorizou.

É justiça poética, dirão. - Talvez! 

É irónico… - É inegável! 

É prejudicial… - Tenho profundas e sérias dúvidas!

 

Donald Trump, além de Presidente, é um dos 7 milhões de americanos infectados pelo SARS-CoV-2. Tem agora mais uma coisa em comum com os restantes, a fragilidade perante um inimigo que está dentro de portas. Este problema arrasa com as reiteradas tentativas de Biden de o colocar num pedestal inalcançável ao cidadão comum. Neste momento, na sua vida pessoal, está a braços com a mesma questão que o mundo. Há maior prova de proximidade do que esta?

 

Vamos por pontos:

 

  1. A infecção de Trump humaniza-o e, numa altura eleitoral, não há nada mais vantajoso do que ter um eleitorado que sinta o candidato como um igual. Existem condicionantes inerentes à condição humana, como a empatia, que levam à identificação e, por sua vez, ainda que irreflectidamente, nos fazem condoer pela pessoa atrás do cargo.
  2. O líder do mundo livre está doente, mas quem dá a cara pela doença, quem será escrutinado, seguido e noticiado vezes sem fim é Donald, o candidato à Casa Branca.   
  3. Donald Trump podia ter gerido a pandemia doutra forma. Há 200 mil mortos que o podem garantir. Mas se um homem com mais de 70 anos, obeso e com problemas cardíacos passar pela doença com sintomas ligeiros, como poderão o democratas continuar a usar a pandemia como arma de arremesso?
  4. Qualquer desrespeito ou comentário à gestão do Presidente Trump relativamente à pandemia será, em altura de sensibilidades exaltadas, prejudicial à campanha democrata por se considerar aproveitamento político de uma pessoa fragilizada e doente. A verdade é que este é, precisamente, o calcanhar de Aquiles desta administração. Sem este trunfo a oposição fica extremamente condicionada nas considerações a 30 dias das eleições.
  5. O facto de Biden não ter testado positivo pode ser explorado como sendo resultado de um cumprimento escrupuloso das regras. No entanto, há um defeito nesta teoria. Joe esteve, sem máscara, numa sala fechada com ar condicionado ligado com, pelo menos, um infectado durante mais de uma hora e meia na passada terça-feira. 
  6. O internamento de Trump ou, na melhor das hipóteses, o seu confinamento, é o harmonioso canto das sereias para Biden mudar a sua estratégia de campanha, sair à rua e ir ao contacto directo com o eleitor para tentar aumentar a distância relativamente a Trump. Se por um lado é uma vantagem difícil de desperdiçar, por outro, é uma facada no que tem vindo a dizer, demonstrando aos americanos que não é confiável.

 

Estes seis pontos são efectivamente os game changers das presidenciais norte-americanas. Queira-se ou não, nenhum é favorável aos Democratas. 

Julgo que no futuro seremos obrigados a olhar para estas eleições e a resumi-las facilmente, com recurso a um velho ditado do futebol, adaptando-o:

É um contra um e no fim, ganha a Covid!

Avante não é política

Beatriz Ferreira, 04.09.20

Conheço bem o PCP e os seus militantes. Partilhámos os mesmos espaços do Poder Local nos 10 anos em que fui autarca em Almada. Respeito-os como raramente me respeitaram. Respeito-os pelo seu passado, pela sua dedicação e rigor na forma de fazer política.

Se de política estivéssemos a falar, estaríamos prestes a assistir ao comício de abertura de Jerónimo de Sousa, a estudar o programa das inúmeras conferências ou a aguardar pela mensagem do discurso de encerramento.

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Hoje o partido mais antigo de Portugal decidiu resumir-se a bancas de comida, a campismo, duches ao ar livre, casas de banho portáteis e a concertos de música pop rock.

Hoje o partido mais antigo de Portugal, fundado por homens e mulheres que passaram mais tempo de vida na prisão do que em suas casas, decidiu arrastar os seus compatriotas para a incerteza da doença, sobre a qual se conhece tão pouco.

Hoje Portugal perdeu uma voz, uma representação e mais um pouco da sua parca credibilidade.

Obrigada.

Os filhos dos Políticos

Gustavo, 21.08.20

Foi da boca da Professora Ana Coutinho, então coordenadora da UC (o nome novo das cadeiras) de Bioquímica Analítica que ouvi as palavras quais sentenciariam os meus seguintes anos de trabalho: “Nós estudamos fenómenos que não conseguimos ver. Como os podemos identificar?” Tornava-se o primeiro desafio de quem desenhava protocolos, aferir quantitativamente uma substância, uma reacção, uma catálise, o que fosse. Para esta experiência, vamos averiguar a qualidade de um Estado. Como a podemos apreciar? Localizando, sem espectrofotómetros, os filhos e parentes próximos dos políticos. É semelhante aos testes de Deborah que determinam o estado da matéria (sólido ou liquído) pela taxa de decaimento gravitacional: Se estiverem maioritariamente encafuados no aparelho governativo e sua vizinhança, a qualidade decaiu bastante e a gravidade é tremenda. Aí estaremos no “estado a que isto chegou”.

Cresci rodeado de filhos de políticos: ministros, deputados, secretários-de-estado, presidentes de câmara. De primeiros-ministros, 4; para alguns só muitos anos depois de entrar na vida adulta, vim a descobrir que os progenitores eram ou haviam sido dirigentes. Mas todos, todos sem exceção, abjuravam a prática e recusavam-se terminantemente a seguir as pisadas, mesmo que tivessem apetência ou Amor à causa pública. Mesmo os que se interessavam, o suficiente para subscrever petições ou participar em protestos, faziam-no discretamente, longe das câmaras e da atenção. Não é de espantar: um dos mencionados viu o ascendente envolvido num escândalo mediático e, com ou sem justiça, compreendeu que a exposição tem um preço. Outro amigo, esse sim Político, comoveu-se quando o filho tomou à letra um comentário televisivo sobre o facto do Pai “estar a ser queimado” pelos colegas de partido e protegeu a família da ribalta, priorizando-a ao frenesim mediático.

Uma geração mais tarde, é consternado que me deparo com os filhos de políticos em lugares de destaque na “cena” pública. Pode ser o filho do primeiro-ministro numa junta ou a filha do seu chefe de gabinete na presidência duma associação Estudantil. Curiosamente, ambas as posses foram impostas por caminhos tortuosos, sem escrutínio direto e com trocas de favores obscuros: O primeiro com a promoção do Presidente eleito, a deputado e a secretário da organização Socialista; O segundo, com cedências de uma junta e idas a tribunal. Mas são menos os contornos norte-coreanos que quero sublinhar (quem é que acredita na democracia em Portugal depois de 2015?) e mais a mensagem subliminar. Não é o nepotismo; é aquilo que se faz com ele.

Ninguém espera ver os senhores do poder condenarem as famílias à condição videira das populações civis. Talvez na civilização, mas aqui certas benesses são incontornáveis: uma educação de elite, agenda privilegiada de contactos, muitas portas abertas e, até, facilidades extraordinárias na procura de crédito bancário. Como um líder partidário me garantiu “certas famílias, nunca conhecerão o desemprego”. Mas se estas premissas eram comuns para a prole de elite com que convivi, a condição atual é diferente. A maioria educou-se e estabilizou-se por conta própria, longe dos holofotes do poder, na convicção de que poderiam fazer uma vida próspera e bem-sucedida sem as muletas político-partidárias.
Com os millenials é diferente. Terá sido essa a mudança?

A filiação ao primeiro-ministro move montanhas Socialistas e o nome "Escária" impressiona e pressiona no corrompível meio Estudantil onde a proximidade ao poder granjeia apoios e votos, um dirigismo ambicioso mas também parolo e deslumbrado. O fenómeno contudo demonstra a falta de deslumbramento com um país em que nem os canudos ou os contactos permitem, hoje, a prosperidade . Não é necessariamente um fenómeno de corrupção como aquela de que o novo chefe de gabinete do primeiro-ministro foi acusado, a utilização do poder para acumular riqueza; mas a ideia de que ninguém escapa à sina dos quinhentos euristas se se quedar longe do poder.  

O seu exemplo, de conversão da vida política num negócio de família, é esclarecedor. Não parecem existir opções reais de carreira nem com todas as supramencionadas prerrogativas, excepto a emigração. Quem os vê retira um exemplo, prevê um futuro, antevendo como daqui e dali saltarão para os ministérios, herdando cargos e títulos, remunerações, desorientações, propensão para a atavia e para o fracasso. Mais uma geração que se perde.

Saúde Mental – O parente pobre do SNS

Raquel Baptista Leite, 11.05.20

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“Tenho uma gripe”. “Tenho uma otite”. Ou até… “Tenho um cancro”.

Qualquer uma destas frases será passível de ser dita por qualquer um de nós nas respetivas circunstâncias, sem grandes reservas.

“Tenho uma depressão”. “Tenho esquizofrenia”. “Tenho uma perturbação de ansiedade”. “Tenho bipolaridade”. São frases que, mesmo que verdadeiras, são tão menos frequentes de se ouvir.

O preconceito assola o tema da saúde mental - dos doentes aos profissionais de saúde. Por culpa de cada um de nós, a saúde mental é o parente pobre da saúde.

Segundo o grande estudo “The Global Burden of Disease”, constatou-se que as perturbações psiquiátricas são responsáveis por 40% dos anos vividos com incapacidade. Se em 2010 a depressão era a terceira causa global de doença, em 2030 prevê-se que será a primeira causa mundial para anos vividos por incapacidade, com agravamento plausível das taxas de suicídio e para-suicídio.

Perante factos, não há argumentos. A prevalência das doenças psiquiatrias é elevada. Se não ouvimos falar delas, é porque nós não falamos delas. Sim, nós. Os cidadãos, os profissionais de saúde, os doentes, os políticos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define, desde 1948, saúde como um “estado de completo bem‐estar psíquico, mental e social e não apenas como ausência de doença ou enfermidade”.

Apesar desta clarificação da OMS sobre a definição de saúde incluir o bem-estar psíquico e mental, segundo o relatório da OCDE de novembro de 2019, temos das mais altas taxas de prescrição de ansiolíticos e antidepressivos da Europa. Sendo que isso não significa, que o estejamos a fazer bem; pelo contrário.

Se as recomendações internacionais são taxativas sobre a importância dos cuidados de saúde mental estarem sediados na comunidade, nos centros de saúde, próximos da população – colocando os Cuidados de Saúde Primários no centro dos serviços de saúde – Portugal também apresenta um Programa Nacional para a Saúde Mental na mesma linha.

O que falta então? Cumpri-lo.

Pelo nosso Portugal fora, temos cuidados de saúde mental centrados nos serviços hospitalares. Como se isso retirasse o estigma, como se isso facilitasse o acesso, como se não existissem dezenas de documentos que comprovam que o caminho não é esse.

Se o bem-estar das populações não tem sido o suficiente para captar a atenção dos políticos para colocarem este tema no topo da agenda, vamos então, falar de dinheiro.

Sabe-se que os custos diretos e indiretos associados às perturbações psiquiátricas, decorrentes das despesas assistenciais e da diminuição da produtividade (ex., desemprego, absentismo, baixas por doença, apoio a familiar doente), têm um enorme impacto económico nos orçamentos públicos, podendo atingir cerca de 20% de todos os custos da saúde.

Uma população sem saúde mental é uma população menos produtiva, mas mais grave do que isso, uma população menos feliz. E se falharmos na possibilidade de criar condições para que as pessoas possam ser felizes, então falhamos em tudo.

Será que o impacto da COVID-19 na sociedade Portuguesa terá impacto suficiente para centrar, finalmente, a discussão neste tema?

Esperemos que sim.

Como dizia… O caminho está delineado. Só falta cumprir.

Educação para a saúde e cuidados de saúde mental na comunidade, com equipas multidisciplinares preparadas

Consequências?
A felicidade como parente rico do SNS.