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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

Group Think

Miguel Nunes Silva, 01.02.12

 

 

O termo em título refere-se a uma tendência identificada por sociólogos que consiste na uniformização de ideias no contexto de uma dinâmica de grupo. 

Esta tendência é hoje em dia perfeitamente identificável nos ditos media mainstream pelo que é sempre arriscadíssimo confiar na narrativa preponderante pois ela não é necessariamente factual. Os media tendem a seguir narrativas mediáticas que suscitam interesse à sua audiência. Precisamente porque os media são inerentemente sensacionalistas, a sua narrativa deve sempre ser vista com algum distanciamento.

 

Hoje em dia vemos bem as consequências deste fenómeno no evento da Primavera Árabe. Para traçar uma analogia com que todos nos podemos identificar, durante os anos 70 era previsão estabelecida tanto na Europa como nos EUA que Portugal se tornaria comunista depois da revolução dos cravos. Washington chegou a planear isolar Portugal de forma semelhante ao embargo a Cuba para mais uma vez apresentar um exemplo negativo a não seguir por outros aliados.

As previsões falharam e no fim Portugal esteve perto mas não chegou a tornar-se comunista. De facto as eleições provaram depressa que o apoio eleitoral do PCP era bastante limitado e tirando os governos de salvação nacional, o PCP nunca sequer chegou a governar.

 

Podemos observar um tal paralelo hoje no Egipto e noutros países Árabes: a revolução era democrática e liberal, mas afinal parece que os secularistas são uma minoria e que não só os militares vão preservar uma porção do poder mas os islamistas serão aqueles catapultados para o poder e procederão assim à revogação de grande parte das reformas liberais de Hosni e Gamal Mubarak.


Há quem diga que as revoluções provam o falhanço das políticas de parceria com regimes autoritários mas nesse caso as contra-revoluções provam diametralmente o seu sucesso, e dado que tanto nas revoluções coloridas do leste da Europa como agora durante a Primavera Árabe existem importantes movimentos de resistência à mudança, então os ocidentais até têm sido relativamente bem-sucedidos. 

O politicamente correcto impede-nos de observar simples dilemas: ditaduras liberais Vs. democracias integristas.

 

Está na hora de abandonar a nossa mentalidade de rebanho e abrirmos os olhos.

E Tudo o Vento Levou

Miguel Nunes Silva, 23.02.11

 

 

 

Se há algo que esta crise no mundo Árabe prova, é que decididamente muito de aquilo que os media apelidam de ‘comunidade internacional’ é na verdade ‘comunidade ocidental’. A cobertura tem sido lamentável com uma clara parcialidade por parte dos jornalistas ocidentais e mesmo dos Árabes, que oriundos das classes altas e médias altas, educados em universidades ocidentais – ou com currículos ocidentais – tomam claramente o partido dos manifestantes.

 

 

Mas não nos enganemos, se as revoluções são muito populares no mundo árabe, isso deve-se não só às elites mas também aos preconceitos da dita ‘rua Árabe’. A rua Árabe é anti-americana, terceiro-mundista em política externa e mesmo antisemita. A irem em frente estas revoluções trarão regimes muito ambíguos em relação ao ocidente se não mesmo antagonistas.

 

No caso do Egipto por exemplo, as elites capitalistas que defendem a revolução fazem-no por interesse próprio pois querem que a economia Egípcia seja menos aberta. As empresas nacionais que o regime favoreceu e cultivou durante muito tempo cresceram ao ponto em que o investimento directo estrangeiro se tornou uma ameaça para o corporativismo doméstico.

Igualmente importante: as elites ‘liberais’ que neste momento apelam ao derrube dos regimes são as mesmas que se aliam aos Europeus de esquerda no anti-americanismo anti-globalização. São os descendentes dos Nasseritas que impulsionaram o Movimento dos Não-Alinhados ou a Liga Árabe – instituições que toleraram os maiores massacres da Guerra Fria mas sobretudo os maiores ataques aos interesses e valores do Ocidente. Afinal, não é a Al-Jazeera anti-Israel e anti-EUA?

 

Quem olhar para o mapa político da Europa observará que os governos de esquerda se acumulam no sul da Europa (Portugal, Espanha, Grécia). Isto não é aleatório já que o espectro político pende mais para a esquerda nos países mediterrânicos. Pessoalmente já pude observar o horror nos olhos dos estrangeiros a quem conto que comunistas e trotskistas dominam 1/5 do parlamento. Se no sul da Europa isto é tão patente, que dizer do sul do Mediterrâneo?

Evidentemente cada caso é um caso: se a revolução resultasse na Líbia, provavelmente o novo regime seria muito mais favorável ao ocidente, a crise na Jordânia não estará tão relacionada com as elites capitalistas.

 

Mas aquilo que é crucial compreender é que os regimes que resultarão destas revoluções serão muito menos favoráveis ao ocidente. Tal como as independências Árabes do pós-guerra nacionalizaram o petróleo e levaram o mundo Árabe para uma maior proximidade com o bloco soviético, também agora os Iranianos esfregam as mãos por verem os regimes que mantinham uma estabilidade pró Ocidental caírem. Não quer dizer que amanhã haja regimes islâmicos favoráveis a Teerão no poder. Mas significa sim que serão mais compreensíveis para com a República Islâmica. É muito claro que com os ditadores irá também o paradigma estratégico que nos favorecia até agora.

 

As alternativas estão a oriente. A Rússia tenta há uma década influenciar o abastecimento energético da Europa. Fê-lo a leste – mérito de Putin – e as companhias Russas persistem em continuar a mesma política no norte de África (ver Gazprom na Argélia por exemplo).

Ora é espectável que as elites terceiro-mundistas, isolacionistas e anti-Americanas prossigam as boas relações comerciais com os interesses Americanos e Europeus? É óbvio que não. E que dizer dos contractos das indústrias de defesa ou da preferência financeira das elites? Será de esperar que estas elites privilegiem ou tratem justamente os países que apoiaram os regimes prévios? A alternativa em matéria de armamento continua a ser a Ásia. O mesmo se pode dizer da moeda de referência.

 

A Turquia é um bom exemplo – até porque a sua população é mais educada e menos vulnerável ao populismo. Mesmo a Turquia, com um governo islâmico acabou por cair numa ambiguidade ocidentofóbica. É membro da NATO mas mantém exercícios militares com a China. Quer entrar para a UE mas oferece apoio à Líbia e ao Irão. Permite o projecto Europeu de pipeline Nabucco mas também o South-Stream Russo – em concorrência um com o outro.

 

Quando será que o Ocidente compreenderá que num mundo cada vez mais competitivo e multipolar não se pode dar ao luxo de perder aliados e que a democracia não traz compatibilidade estratégica mas sim frequentemente o contrário? Quando nos deixaremos do ridículo de servirmos de claque a eventos que beneficiarão todos menos nós?

 

Fechem o guarda-chuva - não dêem cobertura aos nossos rivais - ou deixem-se levar pelo temporal…

Egipto: a Apologia do Silêncio

Miguel Nunes Silva, 06.02.11

(Traduzido daqui)

 

por Patrick Porter

 

Política externa trata de valores? de fazer aquilo que é bom? Devemos simplesmente pôr de lado as nossas cautelas e apoiar a revolução democrática do Egito? Andrew Rawnsley pensa assim. E ele despreza os "realistas" nesta questão.

Esta não é a primeira vez esta semana que idealistas liberais expressam satisfação pelos acontecimentos no Norte de África, de modo a procurar a validação de que, mesmo depois dos ‘triunfos’ da sua política externa no Iraque ou com a expansão da NATO - directamente atribuíveis às suas ideias - eles realmente é que têm razão .

 

Mas eu não tenho a certeza de que política externa é a arte de se ser bom. Trata-se sim de ser prudente. Se política externa é simplesmente celebrar a nossa própria moralidade, espalhando-a pelo mundo fora, qualquer um poderia fazê-lo.

Historicamente, e agora, impõe-se um equilíbrio entre as nossas crenças e os nossos interesses. Eles muitas vezes divergem. Chama-se dilema: a tensão entre dois princípios divergentes. É de tirar o fôlego que esta distinção ainda não seja conhecida.

 

Mais concretamente: se a solidariedade com os movimentos democráticos for o nosso objectivo primordial, teríamos logicamente de apoiar a independência de Taiwan e do Tibete, abraçando o movimento democrático chinês e, automaticamente, destruindo a nossa relação com Pequim.

Se o princípio da democracia é o nosso lema, como justificar então a nossa aliança com o Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, o qual absorveu a maior parte das vítimas da Wehrmacht?

O nosso petróleo barato e seguro (que presumivelmente Andrew Rawnsley usa no seu carro) vem como resultado de relações estreitas com alguns regimes no Golfo, decididamente pouco éticos.

 

Andrew Rawnsley diz:

Estou a ser generoso ao dizer que Barack Obama, David Cameron, Nicolas Sarkozy, e o resto dos soi-disant "líderes do mundo livre" têm muitas vezes dificuldades para articular uma resposta coerente com princípios e as revoltas populares que se espalharam a partir de Tunis para o Cairo.

 

Têm e por boas razões: Abertamente abraçar uma oposição democrática noutro estado pode ter consequências muito más. Em primeiro lugar, como vimos no Irão, décadas de apoio aberto e claro aos dissidentes iranianos tem sido politicamente tóxico para aquelas pessoas valentes, pois fere-os com a acusação de que eles são uma quinta-coluna Americana. Um dos motivos pelos quais os dissidentes no Egipto conseguem legitimidade é o facto de não serem conotados como os "nossos rapazes".

Em segundo lugar, temos grandes interesses na região que seria moralmente irresponsável ignorar, como a continuação do acordo entre o Egipto e Israel, o chokepoint Suez, e um medo da anarquia muitas vezes na esteira de novas democracias. Não é frívolo parar para pensar, neste momento histórico.

Em terceiro lugar, o governo de Barack Obama nos bastidores tem actuado muito responsavelmente, usando a influência que tem para conter qualquer violenta retaliação ou represália, e tentar incentivar as reformas.

 

... o MNE  britânico deve ter uma opinião sobre se o governo democrático é sempre preferível à ditadura.

 

... e depois de pensar sobre como e que dizer, o que serão as consequências e se podemos aplicar este princípio de forma consistente. Chama-se ‘sentido de estado’ e está muito longe dos debates das salas de aula no Liceu. É suposto o MNE pronunciar-se também sobre a necessidade de democracia e direitos humanos na China, e os nossos interesses que vão para as urtigas?

 

O presidente Bush II há alguns anos atrás, insistiu em eleições livres e numa democracia na Palestina e presenteou-nos com um governo violento e anti-semita – o Hamas. A Austrália insistiu num referendo sobre a independência de Timor Leste, o que resultou em 1400 mortos, centenas de milhares de deslocados, a destruição das infra-estruturas do país, e uma orgia de violência na televisão e mutilações pelas milícias.

 

Foi só quando Hosni Mubarak começou a recuar que os líderes ocidentais começaram a sugerir que deveria haver uma transição para a democracia.

 

Demonstrando que o movimento democrático Egípcio é muito eficaz sem o nosso apoio retórico. Porque é que tudo tem a ver connosco?

 

Esta escola "realista" da política externa sempre foi um pouco absurda com a sua alegação de que as ditaduras oferecem estabilidade, um argumento especialmente difícil de sustentar numa região tão dilacerada por conflitos como é o Oriente Médio.

 

Na verdade, os realistas mais astutos estão bem cientes dos problemas que os ditadores podem trazer, mas também conseguem discernir que as alternativas podem ser o caos. Incrivel sobretudo depois do Iraque: alguns idealistas liberais precisam de ser relembrados de que a alternativa à ditadura pode ser uma anarquia muito mais brutal. Eu prefiro viver na Arábia Saudita do que na Somália. O melhor realismo no entanto, vê o contexto e defende uma nova grande estratégia que nos livre da região no longo prazo, justamente para que não estejamos implicados nessas crises e forçados a fazer escolhas difíceis sobre elas.

 

Concedendo isso aos "realistas", devemos então fazer-lhes uma pergunta: Estão eles a dizer que os Árabes não são permitidos aspirar à democracia, temendo que a revolução possa resvalar (como se fosse o mesmo país, mesma cultura e tempo) do mesmo modo que o Irão em 1979?

 

Não, nós (ou pelo menos eu) não dizemos isso. A democracia liberal é uma grande coisa. Estamos apenas cépticos sobre a nossa capacidade de projectar noutras sociedades a nossa via, nos nossos prazos. Levar liberdade ao Egipto cabe aos egípcios. Se houver a possibilidade de uma primavera árabe, o mais sensato é não intervirmos.

Qualquer pessoa com algum sentido de história sabe que o caminho para a democracia liberal pode ser instável e sangrento. A Grã-Bretanha levou séculos para progredir desde os reis tirano como Henry VIII, até ao governo parlamentar representativo. Os americanos mataram-se uns aos outros numa guerra civil que causou mais mortos entre eles do que qualquer outro conflito. O Reino Unido e os EUA ainda têm que alcançar um estado de perfeição democrática. Mas também sabemos algo sobre a democracia, algo que foi bem expresso por Winston Churchill: é a pior forma de governo - com excepção de todos os outros.

 

De facto a Grã-Bretanha e os Estados Unidos tiveram as suas guerras civis, o que acabou por produzir um governo constitucional. No entanto, de acordo com a mundivisão de Rawnsley a comunidade internacional não deve pactuar com atrozes guerras civis, mas sim intervir com a sua benevolência muscular e salvar os inocentes. Nesta perspectiva, à América teria sido negada a sua União, e à Grã-Bretanha o seu sistema parlamentar de governo; se os estados não devem ser autorizados a ter as suas guerras civis então devem ser abortadas as evoluções políticas que daí resultam.


Democracia é o melhor regime na construção de sociedades estáveis, prósperas, duradouras e tolerantes a longo prazo. Nunca houve um conflito armado entre duas democracias verdadeiramente estabelecidas.

 

Sim, houve. Na Guerra Civil dos EUA mencionada antes, entre a União democrática e a Confederação. No nosso tempo, Israel democrático travou uma guerra em Gaza, contra o Hamas democraticamente eleito. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha e seus aliados declararam guerra à Finlândia democrática devido à sua invasão do nosso aliado autocrático  União Soviética. Na Antiguidade, Atenas democrática não hesitou em combater  outras democracias durante a guerra do Peloponeso. E ainda há a guerra Anglo-Boer.

Assim, "nunca" parece-se muito mais com "algo frequentemente". Os EUA e a Grã-Bretanha democráticos no século postbellum XIX chegaram muito perto, e ter um tipo de regime semelhante não os impediu de fazer planos de guerra um contra o outro.


É tempo de os líderes do "mundo livre" desatarem o nó na sua garganta e afirmarem-no com clareza cristalina.

 

Como alternativa, talvez seja tempo de os espectadores idealistas abandonarem o seu conceito amador de diplomacia, as suas teorias a-históricas de "paz democrática", e seu moralismo adolescente, e reconhecer que por vezes é mais sensato ficar calado.

A Tragédia de Gamal Mubarak

Miguel Nunes Silva, 02.02.11

 

O herdeiro aparente ao trono do Faraó, parece ter sido posto de lado definitivamente. Esta é uma perda importante para o Egipto pois Gamal era a mais forte esperança para a modernização do Egipto, desde Sadat.

 

Esta modernização começou com o golpe dos ‘oficiais livres’ contra o rei Faruk, liderado por Gamal Nasser. Nos anos 50 no entanto, a realidade era outra: ainda que os Europeus perdessem o Egipto, os Americanos podiam tomar o seu lugar, Israel não era ainda uma potência e tanto a Turquia como o Irão eram aliados do ocidente. Mas Nasser acabou por alinhar com a URSS, a única potência que apoiava a sua reivindicação ao canal do Suez. Ainda que o canal tivesse sido construído por Ingleses e Franceses, a sua administração fosse internacional, e a sua utilização fosse livre, Nasser fez do Suez uma bandeira nacional e viria a apropriar-se dele coercivamente – seguindo as pisadas aliás de muitos outros países do 3º mundo, como por exemplo os fundadores da OPEP. Nasser foi um líder carismático mas não eficiente. A nacionalização do Suez valeu-lhe uma guerra e uma humilhação. O seu belicismo para com Israel valeu-lhe uma segunda dose, para não falar da intervenção no Yemen. Economicamente, o seu historial também não é digno de apreço ao ter deixado a economia em pior estado do que a tinha encontrado.

 

O sucessor Anwar Sadat foi uma mudança diametral para o Egipto: fez-se a paz com Israel, o Egipto garantiu o Sinai e o Suez, e a economia prosperou. Infelizmente para Sadat, os grandes reformadores são frequentemente vítimas dos ‘velhos do Restelo’ e no seu caso, a sua coragem valer-lhe-ia a morte por assassinato. Apesar da maior estabilidade e crescimento económico que Sadat trouxe, o seu governo sofria de impopularidade devido à paz com Israel – algo que a sociedade Egípcia antisemita e anti-ocidental rejeitava – e à situação económica. Apesar da prosperidade, a sociedade Egípcia permaneceu pobre e cresceu a desigualdade. Mas esta evolução não pode ser atribuída a Sadat e ao seu governo pois todos os países mediterrânicos sofrem da mesma tendência para o abismo social. Se no sul da Europa a protecção económica da Europa do norte tem ajudado a minorar o problema, o médio oriente não tem tanta sorte e todas as sociedades Árabes padecem da desigualdade social. Certamente que esta desigualdade é incrementada pela corrupção e pelo centralismo mas ela é ainda assim endémica.

 

Mubarak continuou as políticas de Sadat e conseguiu manter a influência geopolítica do Egipto assim como a estabilidade e o crescimento económico. É importante compreender que nenhum governo é capaz de lidar com um crescimento demográfico explosivo como aquele que tem vivido o Egipto – e que é prova da sociedade próspera que é a república árabe. Este crescimento assim como a crise financeira, contribuíram em muito para o aumento do desemprego. Juntando a isto o desgaste temporal do regime (sublinho que é o regime militar e não Mubarak, pois durante a ditadura de Nasser, as multidões nas ruas aclamavam este último; não exigiam a sua saída) e a inspiração da revolução Jasmim era uma questão de tempo.

 

A acontecer, a queda do regime de Mubarak será uma tragédia para o Egipto, uma sociedade em muitos aspectos livre, tolerante e próspera. Durante os anos 90 e 00, o filho do ditador, Gamal Mubarak e a sua equipa conseguiram reformar a administração e a política económica do Egipto e levaram o país aos mais altos índices de crescimento económico da região, um feito notável se atendermos à máquina burocrática do Cairo e ao peso do regime.

 

É preciso manter em perspectiva todos os factos. El-Baradei não é um homem carismático e mal se faz ouvir quando se dirige à multidão manifestante. Ele seria uma má aposta para liderar um executivo de coligação e manter fora da ribalta os extremistas da Irmandade Muçulmana – assumidamente anti-ocidental, à excepção da sua paixão pela democracia, que sabe lhe garantirá o governo em caso de eleições livres. Ainda que toda a sociedade esteja cansada do regime, muitos dos que se manifestam no Cairo e em Alexandria são as elites urbanas com qualificações e não a plebe mais empobrecida, pois essa sentiu bem o efeito das reformas do governo de Mubarak – quanto mais não seja na prole mais numerosa que se dá ao luxo de sustentar.

 

Como seria um Egipto sem regime militar e com governos liberais e islamitas no governo? Seria um país instável, ambíguo e em dificuldades económicas. Certamente que tanto liberais como islamitas tentariam exacerbar programas sociais para agradar às camadas mais pobres – se por mais nenhuma razão para legitimar o novo regime e condenar o predecessor. Sem a supervisão presidencialista no entanto, isso rapidamente levaria o Egipto ao endividamento. Se é certo que a corrupção diminuiria, também é verdade que o aparelho estado cresceria a olhos vistos. Uma justiça mais garantista e menos arbitrária traria mais equidade legal mas também uma maior lentidão e menos atracção de investimento directo estrangeiro. Sem a confiança de Washington, o Egipto veria também a sua influência regional diminuir. A presença da Irmandade Muçulmana et al no governo suscitaria a desconfiança de regimes outrora aliados e se o Cairo se quisesse distanciar dos EUA teria apenas a Turquia, o Irão e a Rússia para onde se virar. Todos cobrariam caro o apoio, não teriam tanta capacidade de investimento ou de apoio militar e todos significariam uma ‘partilha’ do poder geopolítico do Egipto no médio oriente.

 

Isto não partindo da possibilidade de que a Irmandade torne o Egipto numa nova Líbia…

 

Gamal Mubarak representava uma possibilidade pequena de que o Egipto pudesse continuar a prosperar e a liberalizar. Talvez até maior respeito pelos direitos humanos e uma contribuição para a resolução definitiva do processo de paz. Esta revolução, a surtir efeito, trará apenas mais governo e mais irresponsabilidade no executivo.

 

Teremos que assistir a mais um ciclo Nasser antes que os governantes populistas do Cairo se apercebam que as políticas do anterior regime eram afinal sensatas…