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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

O fiasco alemão?

Guilherme Diaz-Bérrio, 25.11.11

[Aviso à navegação: segue-se uma explicação de Economia, logo, um post longo]

 

Na Quarta Feira, a Alemanha emitiu dívida pública em leilão. Um leilão que, a avaliar pela imprensa e comunidade de bloggers, falhou. "Um fiasco" disseram uns. "A Alemanha provou do seu próprio remédio", comentaram outros.

Se de Bloggers ainda aceito in extremis a reacção, em especial dos "não economistas", da imprensa (económica) já não. Esta demonstrou-se tão desleixada como sempre foi. Tinham obrigação de, ou saber como funciona um Mercado de Crédito, e a especificidade alemã, ou, como me ensinou o meu antigo director da revista Carteira, "Um jornalista quando não sabe, pega no telefone e arranja quem saiba e cita". [Tecnicamente ele era mais duro ainda, e exigia-me 3 fontes independentes, mas isso são outras conversas].

 

Os Países quando fazem emissões de dívida soberana, fazem-no em sistema de leilão, com a excepção de alguns países que também fazem "sindicancia" (como o Reino Únido, e já vamos ao quê e porquê mais abaixo). Até aqui tudo bem, e já tem sido largamente explicado. O que tem de ser explicado é que, um Banco Central, quando quer alterar uma taxa de juro (ou mais importante, mantê-la onde acha que ela deva estar) não pode simplesmente ditar admnistrativamente a taxa. Antes, fa-lo via "Operações em Mercado Aberto". E para o conseguir, o que um banco central faz é comprar ou vender Dívida Pública aos bancos. Quando se quer aumentar as taxas de juro, vende-se dívida pública aos bancos (que dão dinheiro em troca, reduzindo o dinheiro em circulação) e vice versa.

 

Especificidade Alemã?

 

Normalmente, os bancos centrais fazem isto a "descoberto". Ou seja, não têm as obrigações com eles. Têm antes uma "facilidade sombra" para o fazer, e depois ajustam contas com o Tesouro do país em questão. No entanto, se quiserem ver um banqueiro alemão a tremer, junte "Banco Central" e "Sombra" na mesma frase, e ele terá pesadelos que começam com a palavra "Weimar".

Logo, no caso Alemão, o Bundesbank fica sempre com uma parte da emissão para si. Isto é um pormenor importante de reter. Em primeiro lugar, não é monetização de dívida, porque o Bundensbank não paga ao Tesouro. Reserva é na sua conta um número de obrigações ("bunds"). Em segundo lugar, isto quer dizer que, face à definição tradicional, os leilões alemães "falham" sempre, devido ao valor reservado para o Bundensbank.

 

Business as unsual...

 

Isto não quer dizer que o Leilão de quarta feira não tenha sido preocupante. Apenas que não o foi pelas razões enunciadas. Não há contagio para a Alemanha. O que há é a constatação dum facto que se suspeitava há muito: o BCE está a perder a capacidade manter as taxas de juro onde quer, e o Budensbank está a tentar manter uma "última linha de defesa", de modo a que o BCE consiga operar normalmente. E para o perceber, é preciso entender um conceito: Repo Rate.

De modo a alterar a massa monetária, um Banco Central vende ou compra Dívida Pública. E para dar incentivos aos bancos a fazer a operação no sentido que quer, um Banco Central usa a Repo Rate. Ou seja, é a taxa usada para a troca "bunds" por "euros".

E aqui é que temos os problemas. É que, devido à crise, ninguém confia em ninguém no mercado interbancário europeu (o mercado que estabelece a taxa Euribor). Logo, não há empréstimos sem garantia, entre bancos. E a única garantia que toda a gente aceita, é a Bund Alemã. Isto quer dizer que, se o BCE quer manter as taxas de juro a <inserir aqui a taxa desejada>, já só tem um mercado funcional para o fazer. Porque é que é ainda não demos por nada? Duas razões: a dimensão enorme do mercado e a acção do Bundensbank.

Este está, de proposito, a acumular bunds em massa, de modo a conseguir manter a taxa de Repo sob controlo, e conseguir que o BCE consiga não perder o controlo da política monetária europeia. Em especial, quando as taxas estão encostadas a zero. Isto também aconteceu nos EUA, em 2008. A Reserva Federal, in extremis, ia perdendo o controlo sobre as taxas de juro.

Obviamente que o anúncio dos planos para as Eurobonds, antes do leilão, não ajudou. Mas no big picture do funcionamento do Sistema Monetário Europeu, foi uma gota no Oceano.

 

E o grave é que o Bundensbank está a ter de conservar uma fatia cada vez maior de Bunds de modo a manter o Mercado de Crédito alemão sob controlo e manter o BCE ao volante, com um acelerador e travão funcionais. A "especialidade" da Bund não está a ajudar, pois torna mais dificil aos Bancos que vão a leilão operar. Uma lição que o Reino Unido aprendeu, estando a vender parte da sua dívida ("Gilts") em "sindicancia", ou seja, da mesma forma que se faz uma introdução em Bolsa: quase directamente aos investidores, saltando o leilão.

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